sábado, 6 de agosto de 2005

A linguagem dos sentimentos

Resenha Crítica Viscott, David. A linguagem dos sentimentos. (trad. Luiz Roberto Malta). São Paulo: Summus, 1982. 135 p. A obra de David Viscott, A linguagem dos sentimentos, apresenta sete capítulos que tratam respectivamente de: os sentimentos, a mágoa e a perda, a ansiedade, a raiva, a culpa, a depressão e como se livrar da dívida emocional e tornar-se aberto. Vamos falar em especial deste último capítulo por apresentar uma fórmula em que o autor nos conduz a questionamentos com os quais não concordamos. Sobre isso, recordo aqui uma belíssima citação de um escritor russo onde utiliza uma fórmula sugerindo a possibilidade da diferença dentro da subjetividade de cada um de nós, diz ele: todos sabemos que dois mais dois é igual a quatro, mas é muito mais charmoso pensar que é igual a cinco. De fato, quem pensasse em outro resultado, que não o universalizado, já estaria passando longe do ponto de vista viscottiano de como se livrar da dívida emocional. Poderíamos iniciar questionando os termos utilizados por Viscott, como: “se livrar”, “dívida emocional” e que muito provavelmente não seriam acolhidos pelo escritor russo como uma subjetividade “aberta”. Talvez fosse mais interessante, em vez de pensar na possibilidade de livrar-se de si mesmo, ainda que em parte, re-significar algum aspecto emocional. Quanto à “dívida emocional”, fica implícito, deve-se algo a si próprio e não se consegue ‘saldar’ tal débito. Dever implica em culpa auto-atribuída. Parece que a fórmula para “tornar-se aberto” seria a de que devemos nos livrar (jogar fora) de culpas acumuladas em formato de dívidas esquecidas. Este capítulo começa prometendo a liberdade de tais dívidas emocionais, mas impõe logo a seguir uma condição: se formos capazes de “compreender [nossos] sentimentos e [sermos] honestos no expressá-los.” O condicional, vê-se, é compreender, então estaremos livres. Será? O débito emocional, segundo o autor, teria origem na necessidade de deturpar, em preconceitos sobre a realidade, quando se evita a dor e quando se desliga parte do mundo para reprimi-lo. Mais à frente fornece uma definição de “dívida emocional”: “é uma condição de desequilíbrio na qual os sentimentos _ em vez de serem expressos _ são presos numa armadilha.” A dívida aumentaria na mesma proporção da repressão que a pessoa realiza para si mesma, deduzimos. A receita?, manifestar qualquer sentimento que surja sem sentir ‘pavor’ por estar sentindo e expressando. Julga Viscott que as pessoas sentem que estão perdendo o controle sobre si quando manifestam o que sentem. Mas por que razão alguém se sentiria assim ao manifestar alguns bons sentimentos que revelam a delicadeza humana? Supomos que ele se refira a outros sentimentos, provavelmente os mesmos tratados na obra. Em síntese, o autor faz uma apologia de liberdade aos sentimentos sem a qual a dívida emocional só tende a aumentar, pois “os sentimentos contam a verdade”. No entanto, entende sentimento como sensações e percepções, ou seja, mistura a percepção do mundo com o ato de senti-lo. Para as idéias viscottianas as sensações se confundem com a percepção e tudo vira sentimento. O pensamento seria um modo indireto de “enfrentar a realidade”, ao contrário dos sentimentos que não precisam de mediação, são diretos. Todavia, “enfrentar” a realidade já pressupõe o conceito do que seja viver para Viscott, além disso, para compreender os sentimentos não podemos prescindir da razão e a compreensão é, conforme o autor, a condição para a liberdade das dívidas emocionais, pois para tanto, é preciso, todavia, refletir, coisa impossível sem o pensamento racional. Na página 27 há uma síntese sobre o assunto que percorre toda a obra, onde pensamos haver contradição. Eis a síntese: 1) Ansiedade é o medo de mágoas ou de perda. 2) A mágoa ou a perda conduz à raiva. 3) A raiva contida conduz à culpa. 4) A culpa, não aliviada, conduz à depressão. Vamos inverter a lógica das premissas: se a depressão tem origem na culpa, esta na raiva contida, por sua vez, a raiva contida provém da mágoa ou perda, então a mágoa ou perda provém do medo, sendo este a ansiedade. Como ele define a ansiedade como medo de coisas futuras, a depressão não teria origem em algo do passado e sim naquelas coisas que ainda não aconteceram e talvez nunca venham a acontecer. A ansiedade derivaria para depressão em função do inexistente no que se refere à realidade vivida. Porém, quando fala em dor da perda, fornece exemplificações que ora são reais, ora imaginárias. Se a dor for oriunda de uma perda real (de alguém que amamos, como exemplo do próprio autor) não haveria o medo da perda, não haveria uma ansiedade imaginária, nem medo, pois há algo que realmente ocorreu, não podemos sentir medo da perda pelo que já perdemos. Todo o texto é possível de refutação devido às contradições ou por tratar de forma breve assuntos que exigiriam uma maior profundidade na sua exposição. Soma-se a isso tantas afirmações que logo a seguir estão vinculadas a uma condição para que a fórmula funcione: isto é assim e sem isto não há aquilo. A obra é válida por fazer um apelo ao valor dos sentimentos em detrimento do racional, considerando que o autor parte do pressuposto de que as pessoas invertem tal valor e daí “as dívidas emocionais”. Finalizo a leitura com um certo desagrado, mas aliviada pela lembrança das palavras de Nietzsche que me foram despertadas ao ler o texto viscottiano: “‘(...) Como é diferente, sob o mesmo infortúnio, o homem estóico instruído pela experiência e que se governa por conceitos. Ele, que de resto só procura retidão, verdade, imunidade a ilusões, proteção contra as tentações de fascinação, desempenha agora, na infelicidade, a obra-prima do disfarce, como aquele na felicidade; não traz um rosto humano, palpitante e móvel, mas como que uma máscara com digno equilíbrio de traços, não grita e nem sequer altera a voz: se uma boa nuvem de chuva se derrama sobre ele, ele se envolve em seu manto e parte a passos lentos, debaixo dela.’ (Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral). Tal imagem do homem estóico poderia ser tomada como o ícone do homem não-viscottiano, a acumular dívidas e culpas na mesma proporção de seus disfarces e indiferente aos sentimentos na mesma proporção em que se governa por conceitos. Anna K. & a não-curtição de fórmulas simples para "coisas" complexas"
_ a mania que tomou conta do mundo em atribuir uma linguagem personalizada para tudo que existe está chegando num nível esquizóide, como se a linguagem atribuída tivesse autonomia própria em contraponto com nosso ser_ daqui a pouco ninguém mais aguentará este papo de "linguagem", fico pensando pelo que será substituído...