quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Um Diálogo Real, Mas Não Falado_ Mimesiando a Muda do Pantanal

(que foi grafado entre mim e um colega da Filosofia durante um evento sobre Fenomenologia. As palestras rolando, a gente conversando sobre as veredas filosóficas tendo por mediação a ponta de nossas canetas no lugar da fala. Preservo seu nome para não expô-lo às próprias palavras que talvez já tenham caído no esquecimento de seus próprios pensamentos)
Diálogo Realíssimo: (não no sentido do Realismo Filosófico, por favor, não confundir):
Florismundo_"Eu falei para o Z, hoje pela manhã, que ele tentava superar os problemas conceituais (mas instrumentais) da Psicanálise tomando por um lado o Dasein em Heidegger e, por outro, a Winicott. Pega Heidegger e o Dasein, mas ao Dasein que é já um estar-aí faltava o início, a relação inicial só é averigüável via factualidade; ou como ele mesmo havia refeito, faltava ao Dasein e a Heidegger o "bebê"! Assim ele acumulava o Dasein de bebês pegando Winicott que é pleno de bebês e carente de teorias, logo ele juntava em uma espécie de "melange" os limites de um e outro e ainda assim pretendia solucionar os problemas da Psicanálise.
Sandra_ Pois então, devemos rever o termo "a priori" na Fenomenologia, não entendo esse negócio de "bebês", pois quando o bebê tiver idade para raciocínio filosófico terá deixado de ser bebê e aí não faz mais sentido, o Dasein, o estar-aí já não é mais o mesmo, o estar-aí acompanha o devir da Vida; para fazer uma experiência factual teríamos que ter um bebê com linguagem filosófica ou um doutor em filosofia que conseguisse voltar às coisas mesmas da época do ser-bebê. Também não entendo essa especulação, tudo bem que querem ver a trilogia linguagem_pensamento_mundo real_pensamento_linguagem, o que vem antes?, como se forma?, enfim, "o real é racional?, o racional é real?", mas na representação de um bebê?(nesse ponto um dos palestrantes está tentando explicar "pensamento, linguagem e mundo", a conexão entre pensamento e ação como possibilidade, "o ente jamais se deixa apreender totalmente no mundo") Pergunto-(escrevendo) ao Florismundo: as possibilidades de experiências incluem o transcendental, mas o que entendes por transcendental na Fenomenologia? Refere-se a experiências na consciência ou no mundo? Ou as duas?
(penso que nós dois estávamos tentando fazer experiências demais num lugar onde só se faz experiência com palavras e argumentos, nous sommes déplacées)
Florismundo diz: - É difícil eu responder. No entanto, o transcendental é uma forma de experiência-existência, mas não a existência fática simplesmente; mas a existência do ente e do ser do ente, isto é, é uma existência metafísica. Será que isso existe de fato? Claro que não!!!
Sandra_ Claro que sim! Basta tentarmos a experiência como Heidegger fez. Se temos um "olhar", uma sensação, uma intuição (metafísica ou não) sobre o mundo, ela se volta para nós, quer dizer, ela parte das sensações, percepções, intuição, ou seja lá o que mais que o Dasein aceite (sim, porque não deve aceitar tudo...) dá uma volta rápida pelo mundo da vida e volta para o "interior", e aí já não é mais ente, mas o ser mesmo (sem ser_doente) Por que não experimentamos essa experiência metafísica? Só para provarmos que Heidegger era um metafísico.
Florismundo_ O trocadilho é bom, "ser doente" (risos), mas minha lindinha!!, no âmbito do conhecimento o "faz de conta que" não tem valor; mas reconheço o valor dessa experiência na estética e na ética. Assim, também, há uma diferença na experiência como ela ocorre de fato e na experiência como imaginação. Ambas têm valor. Mas há diferenças irreconciliáveis. (dá para escrever com caneta?, o lápis está com a cor muito clarinha).
Sandra_ Entendo, irreconciliáveis como a questão dos "bebês" sem linguagem filosófica e dos adultos filósofos sem linguagem de "bebês". Mas, veja, (está bom com caneta vermelha?) o "faz de conta que", (como se fosse) é tudo o que somos, tu é que te iludes com coisas que não tem real valor para a existência; tudo que somos é ÉTICA e tudo que sonhamos é ESTÉTICO, o sonho é estética; e tudo o que vale à pena é esse tal de conhecimento - uma parte dele - fragmentado - porque há imaginação também (...)
Florismundo_ Não! eu acredito que tu tens razão; mas eu preciso continuar me iludindo que encontro a verdade e o conhecimento, porém sei que tu tens razão, entendes?!
Sandra_ O conhecimento que podemos ter já está no mundo há muito tempo, a morte é a única certeza, o resto é perfumaria para passar o tempo. Estou começando a pensar com mais "faz de conta que" na Poesia.
Sandra_ Por que uma pessoa fala, fala, fala e não olha para ninguém? Com tantos humanos por aqui porque o olhar sem ver?
Florismundo_ embora o conhecimento não valha nada ele resolve esse tipo de problema - ou pensa que resolve - assim, posso dizer e confiar no que estou dizendo, e digo que o I. é meio pancada! (hehe) Veja: a Filosofia não é só achar problemas da solução, mas o tempo todo dar solução para problemas. Só depois os críticos se debruçam na solução etc. Só que sem a força da Ciência!
Sandra_ Falas em "problemas" porque as soluções são do tipo en passant?, não deveria ter outro nome que não o de solução?!
Florismundo_ Linguagem como fundamento do ser-aí é igual ao uso que Lacan faz da idéia de que é a linguagem que funda o inconsciente quando ele diz que o inconsciente se estrutura como linguagem. No entanto, é nítida a forma metafísica, quase paixão religiosa com que Heidegger define a linguagem. Isso é muito bonito e muito rico erudita e humanamente, mas não corresponde ao que realmente é a linguagem. Eu fico espantado de que se gaste tanto e precioso tempo para dizer nada! Ah, que saudade da Ciência... eu digo, como confissão, só para ti, mas tenho certeza de que 80% do que os filósofos dizem é pura bobagem.
Sandra_ Talvez quando querem fazer do "faz de conta" uma verdade, as bobagens aumentem. Mas eu gostaria de algumas respostas sobre a questão da linguagem e da intuição, talvez dê para aproximar "intuição" com o caso dos bebês (hehe) já que a intuição é dada num lugar sem mediação da linguagem: como se dá o laço entre a linguagem e o mundo? o entrelaçamento tem que ser feito pela consciência, intencionalidade ou seja lá o que for. Então, onde está a ligação?, a união?, os laços? seria consciência_linguagem_mundo da vida? A subjetividade faz através da linguagem os laços para o mundo de cada um e o mundo comum a todos? Há linguagem na intuição? Ou não? O desvelar do ser se dá numa intuição que não tem mediação da linguagem mas quando ela aparece o que se dá? Como é o momento da não-linguagem e da linguagem em relação ao desvelamento do ser? Depois onde está o momento reflexivo em Heidegger? Porque se eu projeto meu futuro, minha vida, então, necessariamente, preciso pensar, refletir para fazer isto. Não posso estar desde sempre num estar-aí pré-reflexivo (sem linguagem), pois como poderei projetar, cuidar da minha existência sem linguagem? Não é contraditório? Acho que começo a perceber a importância do caso dos "bebês." A questão toda é qualquer coisa que esteja respirando no mundo e que sem linguagem consiga ainda assim transcender o ente e acabar no "ser" que desde sempre era Dasein. (... trabalho meio insano ao que parece, voltar ao que se era...)
Florismundo_ Eu acho muito curioso para não dizer outra coisa (pejorativa) que os filósofos quando querem conhecer a linguagem eles irem perguntar a Platão, a Santo Agostinho, etc. e não a neurociência, a psicologia etc. Ficam fazendo literatura pensando que estão fazendo conhecimento de ponta... eu te entendo, pois que tu não queres saber de conhecimento, mas, sim, de uma literatura outra que a literatura, mas a "esses" homens eu não entendo! Lembra que o S. fala que os franceses cometem um erro de projeto e depois passam a vida tentanto fazer o erro ganhar coerência filosófica e valer algo? É isso o que faz a Filosofia.
Sandra_ Por isso, precisas de outro motivo para conseguir ficar por aqui. Olhe, a sessão sobre os bebês acabou.
(imaginem, caros passantes, onde fomos parar eu ou o Florismundo com essas idéias anarquistas, perguntas em demasia, apreensão da Filosofia por outros pontos de vista que não o da obstinação pela Verdade. Mas a Verdade está na subjetividade de cada um, o mundo já sabe disso há no mínimo uns 3 séculos), mesmo diante de fatos reais, concretos e evidentes o filósofo quer a Verdade que julga estar por ali, em algum lugar, a verdade velada é mais importante que qualquer fato evidente, a verdade não visível é mais importante que qualquer coisa, mas ela será sempre o discurso sobre o discurso do outro, dos outros, das dezenas de outros; a verdade sobre a verdade do outro, dos outros, das dezenas de outros que procuram a Verdadeira Verdade (inclusive a dos bebês). Eu só buscava literatura filosófica, o Florismundo buscava alguma coisa entre a Psicologia e uma Filosofia diferente daquela que presenciávamos. C'est la vie!)
O que vivi na Academia Filosófica é mais ou menos por aí, escutem o nosso conselho: nenhum doutor em filosofia vai admitir que um iniciado faça críticas, ainda que plausíveis, ao "objeto" de sentido de toda a sua vida, o cara que ficou lá 40, 50 anos estudando a mesma coisa sobre um mesmo autor (filósofo) jamais vai aceitar que um iniciado venha com argumentos contrários, o iniciado leu pouco, viveu pouco, disse quase-nada sobre o assunto, não publicou, não tem títulos, portanto: "cálice", digo, "cale-se", (embora o cálice tenha caído bem para o anarquista Sócrates). Portanto, o comportamento mais respeitoso é o da Muda do Pantanal. Bem... ainda que isto também possa ser usado contra, se muitas críticas desagradam o mutismo tanto quanto, é que o problema maior está no cérebro viciado de alguns filósofos, explico e até entendo (desde que eu mesma tenha me salvado há tempos): uma vida inteira extrapolando o sistema nervoso central em busca de argumentos para um mesmo assunto, um mesmo autor, uma mesma roda viva, é claro que chega num ponto em que o cérebro não sabe onde o vício argumentativo deve ser utilizado, o tal raciocínio de ponta acaba sendo usado para tudo, para relações da vida privada, para rodadas de café, para falar com a dona da padaria (o pão sempre terá algo na farinha que o fará ser menos pão...), para comprar o carro (que nunca será o melhor pois os filósofos dirigem mal por excelência), para dar água ao cachorro (que apenas quer matar a sede...) para andar na praça, para dizer a alguém o quanto são amados, para atravessar a rua, e por aí vai... o raciocínio de ponta será utilizado em todas as esferas da vida porque o cérebro não sabe que às vezes, pelo menos às vezes, a vida não precisa de nada disso (dos argumentos de ponta). O estilo-Muda-do-Pantanal é a melhor escolha, que venha a liberdade total de expressão em formato de mutismo em pleno mundo globalizado-virtual é desde sempre uma volta "às coisas mesmas". Husserl, genialíssimo, será que lembrou que a "volta às coisas mesmas" envolveria todas as esferas da vida?, ou teria sido ele frio em demasia a ponto de pensar que só para as coisas boas é que voltamos nós às coisas-mesmas? (Ora, Sandra, vá ler Husserl, leste pouco, quase-nada, és uma iniciada, no Livro Tal, no Capítulo X, na Página Y, Parágrafo 151, Husserl fala sobre isso, tens que conhecer todo o pensamento e obra do autor para poder criticá-lo com propriedade). Aqui sou eu a dizer para mim mesma o quanto vale à pena guardar anotações grafadas muito mais que as faladas, segundo motivo para imitarmos a Muda.
sANdrA

2 Comentários:

Blogger Teorema Editora disse...

Como estás? Espero que esteja bem.
Abraços.

4:10 PM  
Blogger sandra adria_na fasolo disse...

Samy,
agora que vi teu comentário, não foi por email o aviso.
Estou bem sim. E você?, lendo muito sempre?
beijo de paix & bem
sandra ádria_na

10:46 PM  

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