sábado, 18 de abril de 2009

sobre o livro org. esquecimento literatura & filosofia

O livro Esquecimento, Literatura & Filosofia foi organizado por mim como trabalho final de disciplina de Crítica Literária ministrada pela Prof. Dra. Tânia Ramos do Pós Graduação em Literatura da UFSC, com o objetivo de se trabalhar o que ela denomina como "ilhas de edição" através de textos referentes à Crítica Literária. Uma forma inteligente, aberta (sem dogmatismos) de nos fazer pesquisar e "perceber que o pensamento crítico hoje está disperso e reunido em coletâneas organizadas" (Tânia) Nosso desafio (individual) foi de organizar um livro a partir de um mesmo assunto e buscar textos que estivessem relacionados a ele, no caso, escolhi o tema do esquecimento envolvendo a filosofia e a literatura. Utilizei um texto de 2001 para a introdução do livro, texto que era inicialmente início para um possível projeto de pesquisa que não levei adiante, com algumas modificações caiu como uma luva para o hipotético livro org. que adorei fazer. Como não consegui entrar em contato com o autor Charles Feitosa para autorizar a publicação do seu ensaio em formato virtual e não sendo possível conforme a configuração atual deste meu blog anexar arquivos em *.pdf, disponibilizo apenas a estrutura do livro e a introdução.
A imagem da capa foi retirada do site http://art.com/
sandra

Esquecimento: Literatura & Filosofia

ESQUECIMENTO
Literatura & Filosofia
(livro org. por sandra adriana fasolo)
Editora Panci 2009
Re: Qu'est-ce que c'est Es-que-cer?
“São begônias européias ao pé dos nomes? Vejo um alaranjado tão vida.
Que recordar é dar cordas ao coração. Que é esquecer?” César Cês
Índice
Introdução.04
Até as estações são volúveis Por André Comte-Sponville.19
A Arte de Esquecer Por Charles Feitosa.42
Ricoeur e o Testemunho da Desconfiança Por Ramiro Corrêa.46
Por uma nova modernidade De Felipe Fortuna.60
Tapeçarias literárias em O Livro dos nomes Por Rodrigo Guimarães.67
Sobre o Poeta de Epígrafe.80
Sobre a organizadora.81
Introdução Por Sandra Adriana Fasolo
A epígrafe do livro abre com versos do Poeta César e pergunta através de uma construção da língua francesa ‘o que significa esquecer’? É provável que seja uma pergunta como tantas outras da esfera filosófica a não possuir uma verdade ou uma resposta absoluta. A história da filosofia e da literatura está pontuada por variadas tentativas, marcadas, sobretudo, a partir do século XX como é o caso dos autores aqui presentes, por diferenciais de representações, significados, conceituações, definições, valorações e sentido buscado. O filósofo Heidegger foi um expoente e tanto na procura do sentido do ser, talvez tenha ele sido o filósofo-do-sentido se pensarmos na questão principal que abre sua mais importante obra Ser e Tempo, onde se pergunta pelo sentido do ser. E, quem sabe, perguntar aqui pelo sentido do que seja esquecer, ajude a situar a questão dentro de um ponto de vista que abarque a circunstância daquele que pretende conceder uma resposta, satisfazendo não só a busca si mesmo, mas a um número maior de leitores ou de pesquisadores-sentintes sobre o que seja o esquecimento. O fato é que todos sabemos, para Heidegger o sentido do ser reside na estrutura binária do velamento-desvelamento das coisas que constituem o ente em seu ser-aí em ser-no-mundo, sob essa compreensão se pressupõe que tal estrutura constitui o sentido do ser como o fundamento no qual o ente se move em sua existência _sendo_ em contínuo devir enquanto o ente aí estiver sendo presença. Não somente um ser para a morte, mas um ser a se alternar existencialmente a partir da origem do esquema binário: velar-desvelar, o qual, se pressupõe, deve estar presente em todas as outras coisas que são partes constitutivas do homem. Por esta linha de raciocínio, pensamos que há um sentido para o esquecimento que está além da inautenticidade colocada por Heidegger, isto é, se o ente tem a abertura para o sentido de si mesmo, desvelando o que ainda se encontra velado, e com base no raciocínio da estrutura binária, a hipótese de que a angústia se mostre como a principal condição de presença no mundo deve ter relação direta com a questão de se procurar dar um sentido ao esquecimento. Nossa intenção aqui é fazer um contraponto entre Heidegger e os autores que colaboraram para a realização deste livro, o que vamos tentar explicar. Em Heidegger o fundamento do sentido do ser encontra-se na angústia e na estrutura binária de velamento-desvelamento: há uma angústia-inautêntica e uma angústia-autêntica; a primeira: velada pelo esquecimento do ser e que se faz presente no modo de ser da inautenticidade exatamente por se encontrar velada pelo niilismo cultural; a segunda, desvelada na autenticidade através da angústia que se descobre enquanto tal frente à consciência de finitude originando assim o niilismo heideggeriano e um esquecimento necessário do ser. Assim, se de um lado precisamos deixar de esquecer o sentido do ser, de outro, lembrar de esquecer este mesmo sentido, como uma alternância que no encobrir e no descobrir converte-se na forma paradoxal de o ente sentir e pensar sua existência. Diante deste esquema binário há dois caminhos dos modos de ser do ente: autêntico e inautêntico, liga-se a inautenticidade à angústia-inautêntica e ao niilismo cultural que impulsionam o ‘deixar-se viver’, enquanto podemos dizer que aí no esquecimento do ser a angústia não pode ainda ser angústia autêntica, já que permanece velada. Liga-se também a autenticidade à angústia-autêntica e a um niilismo do ‘não deixar-se simplesmente viver’, enquanto podemos dizer que no desvelamento do que antes estava esquecido (a própria consciência de finitude diante do fato de que se morre, por exemplo) possuímos o sentido de existir, desde que seu desocultamento retira o ser do velamento. Deduz-se que nem tudo que está velado se constitui como algo de valor enquanto este algo não for desvelado e compreendido, pois, talvez, exatamente o ocultado seja o que impede o ser de sair do esquecimento de si mesmo e de se compreender diante de sua existência. O velamento do ser pode ser visto como a sua auto-sobrevivência, porém, falsa, conformista e ilusória, um certo temor diante de um possível devir ou vir-a-ser: a consciência que chega pode vir a aniquilá-lo ou transportá-lo para um contínuo desvelar de seu ser-aí no ser-no-mundo a partir do desocultamento de seu próprio esquecimento com origem na angústia velada, disfarçada, não-autêntica. Antes de ser um ser para a morte o homem é um ser para a angústia, pois embora a angústia tenha sua origem no pensamento da possibilidade da morte é a angústia que antecede a própria morte sendo, portanto, o sentimento que move o ente durante seu existir. Enquanto a morte for possibilidade sinaliza ainda o viver possível, já que a morte não se concretizou realmente; enquanto a possibilidade existe, existe também o ente e seu sentimento de angústia frente a ela, é a possibilidade que permite ao homem perceber que está vivo, sua própria angústia aponta para sua existência; velada, o conduz por um caminho inautêntico, desvelada, converte-se no construir-se a si próprio: o sentido de que precisa para viver não mais repousado em explicações realistas, mas sobretudo sendo substituido pela percepção de um ente que o sabe: é um ser para a realidade de si próprio. Cita-se Kierkegaard: ‘Se algúem souber tirar proveito da experiência da angústia, se tiver coragem de ir mais além, então dará à realidade outra explicação: exaltará a realidade e, até quando ela pesar duramente sobre ele, recordar-se-á de que ela é muito mais leve do que era a possibilidade.’ A experiência de que Kierkegaard fala obviamente não é a da angústia imersa em uma não-lucidez, não se refere ele a uma angústia inautêntica, porque é claro que muito embora nem todos percebam a angústia de um modo autêntico ainda assim se faz presente em todo e qualquer homem: todos sentem ao menos superficialmente seu existir; coragem de ir mais além traduzida pela coragem de abertura e desvelamento da angústia-inautêntica para a da autenticidade, em outras palavras: na lucidez de finitude de que somos invariavelmente um ser-no-mundo, mas um ser para-a-morte, uma lucidez para o nada que pode conduzir o homem para a saída desse nada....; então dará à realidade outra explicação, ou seja, o próprio viver autêntico de desvelar o sentido do seu ser; exaltará a realidade, não mais a realidade de um suposto mundo transcendente como mostra toda a tradição ontoteleológica, mas um exaltar a realidade mesma que não é independente da existência do ser-aí e ser-no-mundo. Que sentido pode haver em uma realidade que rouba o sentido de viver? uma realidade a tornar o homem um ilusionista que teme mover-se na realidade concreta?; e quando ela pesar duramente sobre ele, recordar-se-á de que ela é muito mais leve do que era a possibilidade de sentir que, embora não se possa mais conduzir a vida em detrimento de uma outra vida que apenas se supõe que possa existir _com suas garantias unicamente em palavras e sistemas ontoteleológicos criados pelo próprio homem_ pode vir a dar-lhe uma nova compreensão: a temível morte em vida acaba por se tornar mais leve do que a angústia do viver inautêntico, a qual prometendo felicidade nada mais faz do que destruir o que se poderia ter realizado para si e para o mundo que cerca o homem. Na certeza da morte apossa-se do tempo presente e a presença do ser a movimentar-se num tempo que é agora, apenas somado a possibilidade finita de outros mais, fornece ainda a certeza do contínuo, porém finito, devir. O próprio Heidegger afirma que a angústia livra o homem das possibilidades nulas e o torna livre para as autênticas. Mas de que angústia Heidegger está a falar? Desde que não podemos dizer que o homem seja completamente destituído de angústia, ainda que não reflita sobre isto, ainda que imerso na angústia-inautêntica na não-lucidez de si mesmo, constitui-se como um ser-para-a-morte do qual não pode fugir inteiramente. Se o ente viver na inautenticidade por toda ou quase toda sua vida sem saber de onde provém sua real angústia terá se perdido em seu próprio destino, preciso é que se desvele a angústia inautêntica em autêntica, muito embora isto não venha a significar que o desvelar da revelação emotiva de sua condição humana no mundo irá libertá-lo completamente da inautenticidade. A compreensão de sua condição não o retira por completo do antigo modo de ser, apenas o transforma interiormente, o concreto não permite livrar-se da inautenticidade contingente, talvez necessária. Isso leva a um paradoxo imposto pelo mundo mesmo tornando necessário o esquecimento do sentido do ser, sem o qual o homem não conseguiria continuar vivendo_ há então a presença de uma circularidade que ora o leva a autenticidade, ora o leva a inautenticidade, mas já não mais como antes. Estruturas binárias que acompanhariam o ente em seus modos de existir: estando e sendo condenado à liberdade entre uma e outra sem, no entanto, ter direito a uma completa liberdade de permanência na forma autêntica_ pois que homem teria toda a força necessária para não esquecer por um átimo de momento que é um ser para a morte e poder continuar vivendo como um ser-no-mundo a movimentar-se em relações que permitem seu espaço no cotidiano sem o qual morreria? Talvez fosse sensato dizer que antes de ser um ser para a morte ou um ser-para-a-angústia o homem é um ser paradoxal que luta consigo mesmo e com dois modos de ser que o constituem e necessários ao seu existir: um mundo que remete logo ao imediato de relações concretas, envoltas em banalidades e onde o esquecimento do ser se faz necessário; outro mundo que se desvela, mas que se pensado continuamente tornaria o homem escravo de si próprio sem que conseguisse viver o concreto. Barthes faz uma referência a essa idéia utilizando o amor como exemplo e ligando-o à essência e a existência, é possível estendê-lo para outras coisas que envolvem o ente como, por exemplo, ao esquema binário: ‘quero compreender_ compreender: ao perceber repentinamente o episódio amoroso como um nó de razões inexplicáveis e de soluções bloqueadas, o sujeito exclama: quero compreender (o que acontece) que é que eu penso do amor? Em suma, não penso nada. (...) estando do lado de dentro eu o vejo em existência, não em essência. O que quero conhecer (no caso o amor) é exatamente a matéria que uso para falar (o discurso). A reflexão me é certamente permitida, mas como essa reflexão é logo incluída na sucessão das imagens, ela não se torna nunca reflexividade: excluído da lógica (que supõe linguagens exteriores umas às outras) não posso pretender pensar bem. Do mesmo modo, mesmo que eu discorresse sobre o amor durante um ano só poderia esperar pegá-lo por flashes, fórmulas, surpresas de expressão, dispersos pelo grande escoamento do Imaginário; estou no mau lugar do amor, que é seu lugar iluminado: ‘o lugar mais sombrio, diz um provérbio chinês, é sempre embaixo da lâmpada.” Se isso for pensado em relação à angústia percebe-se que enquanto a existência se dá de forma não-reflexiva permanece no nível de se estar nas coisas concretas do mundo, em outras palavras, vive-se, é ação, e enquanto se vive não se reflete no verdadeiro sentido de pensar sobre algo que envolve a existência em dado momento, aí a reflexão, a consciência e a compreensão da angústia e da finitude não pode se manifestar realmente, pois quando se vive algo em existência não é possível vivê-lo em essência: o ente ficaria condenado à total inação ao se perder num mundo somente reflexivo ou, do contrário, não chegaria nunca a autenticidade do sentido do ser impulsionado pela angústia de que se é um ser para a morte, porém antes que isto se concretize se é um ser para muitas outras coisas. Há alternâncias entre os dois modos do ser se manifestar ligada a uma necessidade mesma de sobrevivência, há uma necessidade de um não desvelamento contínuo com o qual o homem jamais conseguiria continuar se movendo no mundo concreto. Como uma espécie de paradoxo, permite ao ente viver concretamente sem cair no total esquecimento de si próprio, permite, por outro lado, desvelar seu ser, contudo o risco de desejar permanecer sempre ou para sempre no lugar mais luminoso pode ser uma experiência que eleve a angústia, então desvelada, a um peso muito grande: longe de estar-aí no mundo não seria mais do que uma consciência imersa na inação. Seja no extremo do viver inautêntico, seja no extremo da compreensão do sentido do ser comprometendo as coisas cotidianas, rotineiras, concretas e necessárias, a condição humana corre o risco de se deixar seduzir pelo lugar mais luminoso, pois o mais sombrio não pode ser prescindido por completo. Que homem viveria somente no movimento de suas reflexões na busca do sentido do ser ou unicamente no movimento que se dá no cotidiano sem que isto soasse como o pior de todos os esquecimentos? A intenção é chegar a investigar que a angústia inautêntica desvelada em autêntica a partir da consciência de finitude precisa de um equilíbrio para a compreensão e aproximação do ser-aí em ser-para-si-mesmo seu sentido para o mundo. O mundo impõe sua condição ao ente: o cotidiano que o arrasta de volta para a inautenticidade é condição de sobrevivência e o niilismo, que pode vir a aniquilá-lo, não deve ter um fim no próprio no nada do concreto, pois que sentido haveria num sentimento de nada que tivesse seu fim nesse mesmo nada? O ente sente que ‘o aniquilamento que já foi experimentado (primitive agony) e cujo temor (de morrer) mina sua vida, já ocorreu, permite seu viver autêntico ainda que retorne infinitas vezes: o sentimento da angústia não é maior do que ‘o temor de um luto que já ocorreu. Seria preciso que alguém pudesse dizer: não fique mais angustiado,’ você já morreu diversas vezes em seu pensamento (ou em todos seus modos de sentir a si mesmo). A cada vez que a experiência da verdadeira angústia aplacar-se sobre o homem aliviará seu destino, pois ele poderá afirmar para si mesmo: ainda existo, ainda são as possibilidades que me cercam e o temor do abandono e esquecimento total e definitivo do meu ser (a morte) é ainda mais leve do que o meu total esquecimento, enquanto existia antes protegido falsamente na angústia-inautêntica _ é ainda somente a possibilidade que me angustia, mais dura do que a realidade do sempre possível morrer, menos do que a angústia diluída no esquecimento do meu ser. A compreensão tem seu paradoxo se de um lado nos conforta em meio a uma pretensa idéia de que nos compreendemos potencializando nossa consciência de finitude, acaba por nos desvelar um mundo cada vez mais denso e ainda que haja uma luz a iluminar o sentimento de perda, uma espécie de niilismo como se nos perguntássemos: o que faço eu aqui vivendo dessa forma no ir-e-vir do meramente banal que o mundo impõe? ou: o que faço eu aqui buscando o sentido do meu ser que eu sei finito, longe do ir-e-vir concreto-cotidiano-mesmo das coisas do mundo? Não deveria eu estar me movimentando no cotidiano e na angústia não tão densa, pois não-tão pensada posso dar-lhe as costas sem querer me compreender? Não há então uma angústia e também um niilismo_ uma nada querer_ sob o ponto de vista do viver inautêntico? São nossas ilusões que mantêm vivo nosso desejo de não-angústia, tão poderoso quanto qualquer deus criado_ é para a não-angústia que nos movemos falsamente em direção ao realismo e são nossas ilusões e nossos medos que nos conduzem por caminhos distantes da clareira do ser. Refletimos na finitude do próprio fim do ser-aí e os passos dados no agora acabam por se tornar a esperança em Heidegger_ o caminho que fica no meio é o único que podemos ter: nem princípio (de onde viemos, por que viemos? por aqui e não lá? por que agora e não muito antes ou muito depois?) nem fim (para onde vamos quando tudo realmente tem fim?) não deve ser sobreposto à idéia de que o rio que corre, não importando de onde nem para onde vai ou se tem fim se constitua no sentido mais valioso para o nosso existir, nada mais do que o cuidado para consigo próprio: o ser-sendo em sua exclusiva existencialidade. Pode-se ainda pressupor que o niilismo esteja presente em ambos os lados, embora radicalmente oposto em seus modos de perceber o mundo: no velamento da angústia temos o niilismo que se aproxima de Nietzsche_ as críticas feitas por ele a toda história da cultura ocidental é responsável pelo esquecimento do ser_ no desvelamento temos o niilismo heideggeriano do mais absoluto e completo sentimento de nada: a consciência de que a morte é a única certeza onde a possibilidade de uma escolha extrema (decidir não morrer jamais) nunca poderá acontecer, acaba por se mostrar como possibilidade de transvaloração, do ente que somos em um ente que tem consciência de que quer tornar-se isto ou aquilo. As escolhas definem seu destino embora somente até a morte, pois não mudam em absoluto a morte enquanto destino inevitável. O sentido para o esquecimento, segundo nossa análise, passa, portanto, pela angústia heideggeriana, pelo viver autêntico e inautêntico, onde o movimento do esquecer é que parece dar o movimento do que lembramos, do que lembramos de esquecer, do que esquecemos, do que esquecemos de lembrar, do que tentamos lembrar e não conseguimos, do que tentamos esquecer e não conseguimos, do viver simultâneo do lembrar-e-do-esquecer, onde, quem sabe sejamos um só, a nossa unidade de ser_ binária, sempre binária. Em contraponto com o esquecimento em Heidegger: os nossos ensaios Os ensaios que seguem são todos brilhantes e instigantes, cada um a seu modo tenta valorizar o esquecimento, não como um modo de viver inautêntico, como o foi para Heidegger, mas como um modo de ser tão ou mais feito de sentido do que o lembrar. No ensaio que abre a discussão, Até as Estações são volúveis, Sponville começa pel’O passado (que) não é mais, o futuro ainda não é; o esquecimento e a improvisação são fatos naturais. O que é mais improvisado, a cada vez, do que a primavera? E o que é esquecido mais depressa? A própria repetição, tão impressionante, não passa de um logro: é por se esquecerem que as estações se repetem, e justamente por causa do que torna a natureza sempre nova que ela só inova raramente.” Numa linha bergsoniana valoriza o esquecimento como forma de movimento da vida, da criação, do novo, do mundo, para SPonville é o esquecimento que faz a diferença no cotidiano do ser e o enche de sentidos outros. Em A Arte de Esquecer, o autor Charles Feitosa, aborda o assunto pela definição da memória em oposição ao esquecimento. Pergunta ele: “por que então esquecer?” De vertente nitidamente nietzschiniana, o esquecimento é para o autor “a condição de possibilidade de tudo que é grande, saudável e nobre no homem”, indo numa direção controversa à abordagem de Ser e Tempo. No ensaio, Ricoeur e o Testemunho da Desconfiança, o autor Ramiro Corrêa, faz uma análise contundente a partir de passagens d’O testemunho, de Ricouer. O esquecimento seria a condição de possibilidade do passado, testemunho que se enlaça com a dúvida, a suspeita, a desconfiança. Instigantes questões são colocadas sobre o testemunho em contraponto com o valor da dúvida, mas, sobretudo, como conclui Ramiro de forma sensível e sábia: ‘o de saber escolher amigos, os amores (...) a vida como testemunho permanentemente silencioso, sem necessidades de provas’ Por uma nova modernidade, de Felipe Fortuna, analisa o pensamento sobre a Poesia a partir do trio infernal Baudelaire, Rimbaud e Mallarmé, fala das análises de dois grandes críticos literários. Neste texto não há uma referência direta ao esquecimento ou à memória, mas será fácil ao leitor perceber que ambos possuem sua presença nas abordagens que o autor realiza com muita propriedade e conhecimento, como quando diz que “o crítico italiano, ex-professor da Universidade de Veneza, combate ao ponto da indignação, a tese fundamental de Estrutura da Lírica Moderna, manifestando-se perplexo com o esquecimento da “pluralidade de vozes que agem ou podem agir na poesia”. O último ensaio, Tapeçarias literárias em O livro dos nomes, de Rodrigo Guimarães, fala sobre a obra da escritora Maria Esther Maciel, em especial, sobre O livro dos nomes. Através de uma bela análise sobre a obra da autora, Rodrigo Guimarães coloca que ‘O livro dos nomes encarna-se numa linguagem que recebe com atenção os cantos e corredores, os lugares de esquecimento e de passagens’. Fornecendo vários exemplos retirados d’O livro dos nomes, Rodrigo conclui no final do ensaio que ‘é essa certeza de não ter a sua própria memória (o modo de ser dos personagens) que alarga os possíveis dessa escritura. Portanto, memória e esquecimento não são abordados como campos estanques, pois essas esferas respondem à forja do desejo (visto por Irene como rapto) e seu poder de ficcionalização que, nessa obra, alcança eficácia simbólica e disruptiva sem emperrar o fluxo ficcional com palavras vagas e indeterminadas, ou com a outonização afetiva endereçada ao tédio ou à inércia causada pela repetição nostálgica.’ O livro dos nomes se coloca como um excelente caminho, a partir da Literatura, para quem pensa e deseja adentrar-se por esta questão ainda tão paradoxal: a do esquecimento. Mas, deixamos, enfim, aos leitores a possibilidade de escolha na leitura, no conhecimento, na pesquisa, na vida, lembrando que às vezes uma escolha lembrada pressupõe por certo inúmeras escolhas esquecidas e que uma escolha antes esquecida pode abrir infinitas outras formas de lembrar. Desejamos: lembranças e esquecimentos, na medida do possível para cada um. Sandra Adriana Fasolo Ilha. 2009 (espaço dos ensaios...)
_____ Algumas palavras do Poeta da Epígrafe: Sofre de ár-vores, tem inclinações para crepúsculo, habita os imperecíveis do viver e não é mais do que a infância; E ai, acredita chorando (na vida), que sim, infância e futuro morrem jamais. (E também se esquece de si, sendo lá) * * Beijos-para-não-esquecer. * César Cês __
Algumas palavras sobre a organizadora do Livro: nasceu em Santa Maria, RS, já foi Contista e um dia quis ser Filósofa de Carteirinha, mas percebeu que não é bem o seu mundo, pelo menos não aquele que procura viver: com Vida lírica & suave. Atualmente escreve Fragmentos Lítero-Filosóficos (blogando), cursa Pós-Graduação em Filosofia Clínica com o Professor Bruno Packter, às vezes cursa disciplinas no Pós em Literatura da UFSC, pinta as paredes do seu quarto com mosaicos-pitagóricos-ilhéus, passeia de bicicleta pela orla do mar, é viciada no aroma da maresia, cafés e, infelizmente, cigarros e perfumes importados, adora barcos, ama Chico Buarque & tudo que é liricamente belo. Possui seis blogs, dois literários, dois filosóficos, dois lúdicos. Quanto aos lúdicos: um para sua irmã Anita (Panci) e outro com imagens da Ilha da Magia. Tatuou Platão em grego no pé direito com algumas Flores para os Poetas Franceses & para o Poeta Das Argilas (Manoel de Barros) que ensinou para ela e para César que: “À noite o silêncio estica os lírios”.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Dos Escritos sobre Machado de Assis

Reflexões para possíveis pesquisas sobre Machado de Assis a partir das aulas do curso do Prof. Dr. João Weber. Pós em Literatura.Universidade Federal de Santa Catarina.
“Eu julgo que a pesquisa está além das nossas possibilidades e que vós que sois inteligentes deveis ter piedade de nós em lugar de zangar-vos conosco.” (Fala de Sócrates, Rep., I, 336 e 337a[1])
“Assim foi; não lhe leu nada nos olhos, a não ser a ironia e a paciência, mas não se pôde ter que lhes não desse uma forma de palavra, com as suas regras de sintaxe. A própria ironia estava acaso na retina dele. O olho do homem serve de fotografia ao invisível, como o ouvido serve de eco ao silêncio. Tudo é que o dono tenha um lampejo de imaginação para ajudar a memória a esquecer.” Machado de Assis. Dom Casmurro
Quanto aos primeiros 37 §, em especial, quero agradecer ao site do NUPILL, Coordenado pelo Prof. Dr. Alckmar dos Santos, pela facilidade com que esta pesquisa pôde ser feita levando-se em consideração a disponibilidade da Obra de Machado de Assis em forma digitalizada e às aulas do Prof. Dr. João Weber pela possibilidade aberta à reflexão.
Quanto aos outros §, quero deixar expresso o meu agradecimento à Filosofia Clínica, pois os estudos na área me concederam a possibilidade de refletir sobre Dom Casmurro a partir da Estruturação do Pensamento, embora eu não me utilize aqui dos Tópicos da Estrutura do Pensamento com a propriedade com que os mesmos são tratados dentro da Filosofia Clínica, contudo sei que meu raciocínio partiu em grande parte da Filosofia Clínica. Sandra Adriana Fasolo

Reflexões & Derivações lítero-filosóficas:

§ 1. A ironia machadiana no dentro da própria literatura pelo «chamamento» do autor ao leitor:

§ 2 Qual o sentido ou que intenção possuía Machado de Assis ao realizar repetidamente o chamamento ao leitor de dentro da própria literatura?

§ 3 A intenção desse texto é sugerir alguns possíveis caminhos de entendimento sobre a presença do leitor na narrativa machadiana através da interpelação que o autor faz ao leitor dentro do próprio texto.

§ 4 Quais as interpretações já realizadas pelos teóricos de Machado de Assis em relação a um ‘fazer’ literário que se utiliza freqüentemente de um «chamamento[2] ao leitor» ou «chamamento do autor ao leitor»?

§ 5 Ao lado destes possíveis caminhos de compreensão é possível estabelecer uma conexão com o pressuposto da ironia machadiana, uma das características mais fortes da obra de Machado de Assis, ao querer-dizer do autor ao leitor, na seguinte questão: o «chamamento» teria a intenção de transpor a ironia de um mundo (o literário) para outro (a realidade daquele que lê), sinalizando com isso que a interpelação ou como nos referimos aqui «o chamamento do autor ao leitor», seria o auge da ironia na obra do escritor, pois que ‘obriga’ (ao leitor) a «retirar-se» momentaneamente da narrativa?

§ 6 Através da leitura de alguns contos[3] selecionados há a possibilidade de se construir ou desconstruir um sentido, uma razão, um motivo, pelo qual Machado de Assis se utilizava repetidamente deste recurso (ou técnica) literário da interpelação ao leitor aproximando-a com a «ironia»[4]?

§ 7 Algumas passagens em que os chamamentos do autor ao leitor aparecem no conto Almas Agradecidas: “Facilmente acreditará o leitor que estes dois amigos se fizessem confidentes de todas as coisas, principalmente de coisas de amores. Nada esconderam a este respeito um ao outro, com a diferença de que Magalhães, não tendo amores atuais, confiou ao amigo apenas algumas proezas antigas, ao passo que Oliveira, a braços com algumas aventuras, não dissimulou nenhuma delas, e tudo contou a Magalhães.” “Omiti de propósito a descrição de Cecília feita por Oliveira ao seu amigo Magalhães. Não desejava exagerar aos olhos dos leitores a beleza da moça, que a um namorado parece sempre maior do que realmente é. Mas Cecília era realmente formosa.” “Eu peço perdão aos meus leitores, se entro nestas explicações a respeito da comida.” “Adivinha o leitor o golpe que esta carta descarregou no coração de Oliveira. Mas é nas grandes crises que o espírito do homem se mostra grande. A dor do apaixonado superada pela dor do amigo.” In: Machado de Assis, Almas agradecidas.
§ 8 Muito embora os chamamentos do autor ao leitor contenham variações conforme a narrativa própria de cada conto, o que queremos destacar aqui é o ato em si do chamado e não propriamente o que está dito ao leitor, porém a interrogação para o fato de que através do conteúdo e não da forma possam existir interpelações com significados inteiramente diferenciados estariam ligados muito mais à circunstância da narrativa do que propriamente ao ato em si do chamado. Dentro desta possível diferença que significações literárias poderíamos atribuir à obra tendo em vista tantas variações interpelativas?

§ 9 A passagem da narrativa (sugerida pelo autor) para uma pausa observativa (vivida pelo leitor), que conduzir a este a um diálogo com o autor, que faz falar diretamente o autor com aquele que lê, no tempo dado da leitura, conteria um tempo marcado por um tempo dito atemporal?
§ 10 As duas esferas: realidade da presença do leitor, realidade da presença do autor divididas e reunidas no mesmo lugar? Qual o lugar da literatura e qual o lugar da presença do leitor?

§ 11 Pressupomos: Machado divide a narrativa entre a ficção e a realidade presente daquele que lê, é a presença do leitor colocada na parte da narrativa que se «retira» dela própria para dar espaço ou para ser momentaneamente aquele que a lê. Poderíamos dizer que a narrativa de Machado de Assis nestes contos está dividida em duas esferas: a da realidade da presença da ficção e a da realidade da presença do olhar do leitor numa dimensão outra, é como se o autor dissesse: - Espere um pouco, vamos fazer uma pausa?, pois o que te conto é e não é ficção, falo sobre a natureza humana e suas várias nuances, te devolvo ao texto, mas desejo ainda te chamar de volta ao pensar. Seria a voz de Machado de Assis chamando o leitor para um diálogo em uma esfera paralela ao narrado?

§ 12 A voz de Machado de Assis: como um abstrair-se do texto, mas também como um abstrair-se da ficção para voltar-se para si, uma pausa para pensar em si? Pretendia Machado de Assis que o leitor refletisse sobre sua própria vida através de suas narrativas? O chamamento concederia essa pausa mais facilmente? Por que razão ele interpela o leitor?

§ 13 A oscilação da narrativa: há um oscilar, um navegar, um ir-e-vir entre as duas esferas: na realidade da presença do leitor há a certeza para o leitor mesmo de que é ali que ele se encontra, pois uma parte da imersão na leitura se perde.

§ 14 A leitura de partes como ‘Facilmente acreditará o leitor’, ‘Eu peço perdão aos meus leitores’, induz à sensação daquele que lê: sim, estou aqui como leitor, o narrador (autor?) dizendo que está aí, ali, aqui, numa esfera que me confunde, mas que todavia me fala: o narrador-autor deseja repetidamente chamar-me. Mas, por que faz questão da certeza de minha presença? Divisão de esferas para narrador-autor e leitor, divisão de esferas no ir-e-vir para significar a presença de ambos, reunião de esferas no convite ao diálogo, pois que existe o pressuposto de um diálogo entre narrador-autor e leitor, e isso por si só bastaria para dizer que Machado de Assis fazendo literatura diz, ainda que por breve tempo que seja, não a está fazendo somente.

§ 15 O leitor é retirado de sua condição de leitor-ficção para empurrá-lo, dentro de uma espacialidade curta, à verdade que também existe neste mesmo mundo de realidades?

§ 16 A ironia em Machado de Assis, se aceitarmos uma analogia com a ironia socrática e a relacionarmos com o tempo quem o leitor se retira da ficção para a realidade encontraríamos uma forma de ficção que induz a um tipo de reflexão próxima ao tempo próprio?
§ 17 O chamamento funda, portanto, a trilogia: autor, personagens e leitor? Esta trilogia formada propositadamente estabelecendo um diálogo com o leitor, ficaria como que colocada de lado temporariamente para dar ao autor e ao leitor uma pausa, ainda que pequena.
§ 18 A ironia diminui a realidade fenomênica ou a confirma aos olhos do leitor? Nesta questão a ironia machadiana conteria a intenção de ironizar, ainda que em parte, a representação da vida para Machado de Assis? Teria ele a intenção de sugerir que a literatura é um jogo de ironia para com a vida? Saberia ele o significado que o termo contém para os gregos? Quando Abbagnano escreve: A ironia socrática é a subestimação que Sócrates faz de si mesmo em paralelo com os adversários com quem discute. Quando na discussão sobre a justiça Sócrates declara: “Eu julgo que a pesquisa está além das nossas possibilidades e que vós que sois inteligentes deveis ter piedade de nós em lugar de zangar-vos conosco.” (Rep., I, 336 e 337a), teria o autor a vontade de dizer que a ficção é uma forma de subestimar a realidade fenomênica?, o mundo da vida, a vida em si mesma com todos os seus sofrimentos, angústias, traições, dores. Desejaria ele dizer que a literatura, sendo uma das formas mais densas a respeito da natureza humana será sempre menor que qualquer coisa vivida? Seria ele um muito mais cético em relação à literatura que propriamente pessimista em relação à vida? Ceticismo de um lado (literatura) pessimismo de outro (a natureza humana).
§ 19 E o leitor?
§ 20 O chamamento do romantismo: um convite de Machado de Assis para subestimar a importância da realidade: a não tomá-la a sério? Machado de Assis viveu o romantismo e viveu o realismo. No romantismo A ironia romântica está apoiada sobre o pressuposto da atividade criadora do Eu Absoluto. [...] o filósofo ou o poeta (que muito frequentemente coincidem para os românticos) é levado a considerar toda realidade mais constante como uma sombra ou um jogo do Eu: isto é, é levado a subestimar a importância da realidade, a não tomá-la a sério. Segundo Schlegel, a ironia é a liberdade absoluta diante de qualquer realidade ou fato. (Abagnano, 555), nesta hipótese Machado ao chamar a atenção do leitor, a retirá-lo da seqüência do texto, aproxima-se de Schlegel? Em dar uma liberdade tal ao leitor de forma a dizer-lhe o contrário do que supomos anteriormente, a forma de dizer: na ironia há liberdade total, e eu, leitor, te chamo a atenção para compartilharmos dessa idéia, a liberdade que a vida nos nega podemos tê-la mais além por um ponto de vista abarcado pela ironia. Mas o que pensava exatamente Machado de Assis sobre esta palavra? O que diz ele sobre a ironia? Diz?
§ 21 A ironia como um chamamento ao próprio Machado de Assis em direção ao pessimismo: ironia às últimas conseqüências levaria ao pessimismo?, , seria condição de possibilidade para se chegar ao pessimismo?
§ 22 Inversamente: a ironia teria sido condição de possibilidade para que Machado de Assis saísse da fase do romantismo para a outra fase machadiana?
§ 23 Pode haver pessimismo sem ceticismo?, pois é difícil pensar que alguém pessimista deseje acreditar em algo com intensidade, só acreditar na literatura? Neste sentido o que diferenciaria um e outro na literatura machadiana?
§ 24. Um certo tempo no chamamento: pressuposto de alteridade? A ironia também estabelece uma relação diferenciada do leitor com o tempo da narrativa e do tempo do próprio leitor com a narrativa. Haveria um significado para a alternância da narrativa entre o presente do dizer do texto e o presente da leitura? Causa um estranhamento naquele que lê difícil de ser descrito, o ato em si é que seria já uma ironia? Mas, em que sentido? Por quê?
§ 25 O tempo da ficção é repentinamente quebrado pela existência do tempo-agora (da leitura), um certo tempo causador de angústia, é como se alguém interrompesse a narrativa «presentemente» nos fazendo sair da atenção absoluta do texto ou do estar absorto na narrativa para um certo tempo «ao lado», um certo tempo paralelo, um átimo que possa ser de um abstrair-se da narrativa para um olhar mais atento: - o autor-narrador está agora falando comigo como quem fala a um amigo, sim, como quem discorre sobre a vida de outras pessoas a uma pessoa amiga. E aqui invertemos um pouco do estigma pessimista de Machado de Assis, pois se existe a possibilidade de ver no leitor um amigo, fica implícito a alteridade, um chamamento já não mais de autor-narrador, mas um chamamento ao amigo-leitor. O tempo conduziria então ao chamamento que faz com que o leitor se perca entre o tempo da leitura e o tempo presente da fala do autor-narrador, sugerindo sua presença, dizendo que se encontra ali, o tempo se tornaria duplamente presença e duplamente presente.
§ 26 O diálogo como alteridade: sou eu, a leitora, é ele, o autor-narrador, como se dialogássemos, como se houvesse enfim uma «verdade não-pessimista» instaurada neste diálogo pelo chamamento direto e afável de um amigo. Machado acreditaria acima de tudo em seus leitores? Ou em sua literatura?
§ 27 Uma certa dialética no chamamento: o fragmento que sai do texto como ironia da própria literatura; o fragmento que volta ao texto como continuidade da própria literatura.
§ 28 A valoração dos juízos: há liberdade em diminuir algo?, mas qual é a conseqüência para o ser humano de diminuir alguma coisa?, se eu pensar dialeticamente a partir de Platão: ao diminuir algo não-belo ele pode se tornar vir a ser um pouco belo, mas se eu diminuir algo belo ele virá a ser um pouco menos belo, este raciocínio derivado claramente de Platão em analogia com Machado de Assis conteria um sentido de fazer com que a vida descrita como Machado a descreveu, já com tanto pessimismo?, fosse colocada ainda mais numa esfera pessimista?, a representação de vida era isso mesmo para o Bruxo do Cosme Velho? Ou haveria sempre um dos lados da narrativa representando uma ‘diminuição’ de valores diante da vida?_ uma valoração de juízos dialética.
§ 29 Literatura: nada é tão infinito senão a própria vida: nada é tão infinito, apenas a vida talvez o possa ser; a ironia produz ou traduz certa mágoa, certo ressentimento com a finitude que há na vida, para Machado de Assis, transposta nas intempéries que seus personagens sofrem, há, muito mais que pessimismo em seus contos, há como que um dizer constante ao leitor: cuida, que a vida é assim, cuida, que aqui te mostro que mesmo a literatura é finita, por isso te falo às vezes em meio à vida dos personagens, para te dizer que a ironia também está dentro da maneira de produzir literatura: tudo que é vida pode ser feito e refeito pelo ser humano infinitamente, ele pode ser aquele que causa dores, sofrimentos, mágoas, aumenta a tristeza de outro ser, e o inverso também é verdadeiro, mas a natureza humana parece sempre preferir a parte menos-boa de quem a habita. E com este pressuposto entraríamos em contradição com o anterior, e então é possível perguntar: em qual das esferas Machado de Assis pretendia minimizar ou aumentar as mazelas da vida? O que seria para ele a própria vida da literatura?
§ 30 Isso é literatura?, sim. Machado talvez quisesse dizer que tanto a literatura como a vida podem ser divididas ou abstraídas de si mesmas com a alternância de uma esfera a outra, pois assim como há uma espécie de chamamento do autor ao leitor para aquilo que é ficção e não realidade, inversamente, se o leitor quiser estender a reflexão, poderá abstrair que a ficção sai da realidade da própria vida e converte-se ironicamente em linguagem. Então, percebe como o mundo pode ser descrito, contado, narrado. Não seria a suprema liberdade da vida?, não seria o supremo ato de liberdade da ironia da própria vida? Além do vivido é possível falar sobre ele, perpetuá-lo pela linguagem e isso talvez seja a maior ironia do viver: a literatura dentro da própria ironia ou apenas a vida descrita em sua nudez?
§ 31 Chamamentos ao leitor, deschamamentos à literatura: o chamamento ao leitor é uma forma sutil de ironia? Mas para quem? Para a própria literatura em contraponto com a realidade? Para o leitor que no momento da leitura se encontra como mediador? _FICÇÃO_EU-LEITOR_REALIDADE.
§ 32 Reunindo todos os chamamentos anteriores e concluindo: o chamamento do autor ao leitor produziria uma quebra momentânea na narrativa ficcional diante e na presença daquele que lê. Sugerimos a hipótese de que a ironia machadiana não se encontra somente no conteúdo, somente na linguagem, nos temas dores sofrimentos traições........, a ironia conteria um status ontológico dentro da própria literatura, isto é, a ironia vindo de dentro da forma literária acabaria por tratar a própria literatura com um status ontológico em que ela, a ironia, estaria em-, para-, com-, ......... quando dizemos status ontológico, queremos nos referir a toda uma realidade machadiana que se desenvolve dentro de uma esfera a abarcar a literatura mesma, a ironia seria como uma espécie de categoria que engloba tudo, até a própria literatura.
§ 33 Seria possível que um escritor como Machado de Assis o foi, tendo escrito com tanta profundidade e genialidade, tendo dedicado sua vida à literatura, quisesse estigmatizá-la como sendo do âmbito de um mundo em que a ironia chegando a tal exacerbação culminasse no pessimismo de sua última fase? Ou seria a ironia como um passo atrás, uma condição de possibilidade para a entrada na esfera do pessimismo? Ou seria o inverso? O pessimismo é o que fica antes, é a condição de possibilidade para a entrada na ironia? Ou haveria uma circularidade dialética em que um remeteria sempre ao outro? Machado de Assis pensara nisso ao escrever? Ou teria sido um ato da própria escrita, um ato espontâneo de seu talento e de seu querer-dizer? E nada do que foi aqui pressuposto conteria um sentido real e significativo?
§ 34 Permaneço, por enquanto, diante dos diversos chamamentos entre ironia e interpelação do autor ao leitor com possíveis caminhos de estudos, muito mais que propriamente com possíveis respostas. O início de toda a compreensão sobre o que discorremos aqui talvez devesse passar antes de tudo pela pesquisa detalhada do sentido de ironia para o escritor e qual a ironia utilizada por Machado de Assis.

§ 35 Qual é a definição de ironia machadiana? Talvez o problema é que eu esteja especulando sem saber onde é o lugar da ironia em Machado de Assis, talvez esta seja a melhor pergunta:
Qual o lugar da ironia na literatura de Machado de Assis?
Na forma?No conteúdo?Na intenção do chamamento ao leitor?No dizer e no querer-dizer? Na foco narrativo da história?Nas crueldades humanas que os personagens realizam, ainda que com sutilezas, ainda que com dispersões, destino, etc. ou simplesmente uma ironia de vida e da vida presente no mundo da vida?
§ 36 Aproveitando o embalo sobre o tema, peço desculpas ao leitor, mas ironicamente no lugar de encontrar alguma resposta, já que este texto iniciou com uma primeira pergunta, qual seja: a ironia se estenderia também à literatura?, e considerando que as perguntas só foram aumentando e não foi possível respondê-las nesse momento, finalizo aqui com uma citação-convite do Bruxo do Cosme Velho:
"O sentido vinha a ser justamente o contrário, mas talvez isso mesmo trouxesse a inspiração. Neste caso, era uma ironia: não exercendo a caridade, pode-se ganhar a vida, mas perde-se a batalha do Céu. Criei forças novas e esperei. Não tinha janela; se tivesse, é possível que fosse pedir uma idéia à noite. E quem sabe se os vaga-lumes, luzindo cá embaixo, não seriam para mim como rimas das estrelas, e esta viva metáfora não me daria os versos esquivos, com os seus consoantes e sentidos próprios? Trabalhei em vão, busquei, catei, esperei, não vieram os versos. Pelo tempo adiante escrevi algumas páginas em prosa, e agora estou compondo esta narração, não achando maior dificuldade que escrever, bem ou mal. Pois, senhores, nada me consola daquele soneto que não fiz. Mas, como eu creio que os sonetos existem feitos, como as odes e os dramas, e as demais obras de arte, por uma razão de ordem metafísica, dou esses dois versos ao primeiro desocupado que os quiser. Ao domingo, ou se estiver chovendo, ou na roça, em qualquer ocasião de lazer, pode tentar ver se o soneto sai. Tudo é dar-lhe uma idéia e encher o centro que falta." Machado de Assis. In: Dom Casmurro
Tentaremos, assim, “dar-lhe uma idéia e encher o centro que falta” a partir de Dom Casmurro e Platão nos próximos §:
§ 37 O MOVIMENTO DO PENSAMENTO DE DOM CASMURRO EM DOM CASMURRO: DERIVAÇÃO DO DISCURSO FALSO EM UMA DIALÉTICA ASCENDENTE NEGATIVA OU MOVIMENTO DO «DISCURSO FALSO» NO PENSAR DE DOM CASMURRO EM DOM CASMURRO:
§ 38 Por que tentar uma compreensão sobre a questão central da obra de Machado de Assis, Dom Casmurro[5], por um viés em que nos fundamentamos em parte, a partir do pensamento de Platão, dita terceira fase, sobre a construção do discurso falso esboçada no Diálogo Sofista? Seria justo uma leitura a partir da derivação do discurso falso aplicado ao movimento do pensamento de Bento Santiago? Sabemos ser necessário apresentarmos uma explicação sobre o que seja o discurso falso no Sofista, de que maneira entendemos que possa o mesmo ser aplicado ao pensar da personagem que narra Dom Casmurro e, em seguida, a partir da hipótese aqui elaborada desdobrá-la como possibilidade de leitura do movimento da estruturação do pensamento da personagem narradora: Bentinho ou Bento Santiago ou ainda Dom Casmurro.
§ 39 Pressupomos uma possível resposta para a dúvida que perpassa toda a narrativa: Capitu traiu ou não traiu Bentinho? Esta passará pelo movimento do próprio pensar de Bento Santiago. O estudo ficará centrado na construção de seu pensamento e do discurso que o narrador realiza para si mesmo. Partimos, é claro, a priori de uma opção, a saber, a traição está no pensamento de Dom Casmurro, ela não ocorreu de fato; partimos do princípio de que Capitu seja inocente, nossa hipótese se situa, portanto, um passo à frente da interrogação, por excelência, que os teóricos da Obra de Machado de Assis realizam: Capitu traiu ou não traiu Bentinho?, e um passo à frente da afirmação: Capitu não traiu a Bentinho, seria incapaz de fazê-lo; a traição é produto da mente de Dom Casmurro.
§ 40 Não desejamos nos situar, portanto, a partir da pergunta sobre a traição de Capitu, o que desejamos adentrar acaba por se situar alguns passos depois, o que desejamos saber é: se a traição é produto da mente de Dom Casmurro_ nosso postulado_ como é que principia a ser estruturada? Como é que a dúvida chega a uma quase-certeza? Como é que principia para ir pouco a pouco tornar-se dúvida-permanência? Uma dúvida que permanece não seria uma certeza que não se quer aceitar[6] totalmente na esfera fenomênica? Como é que a quase-certeza da traição acaba por se ampliar, crescer, ter força e vida, a ponto da dúvida suprema, a própria traição, desdobrar-se e firmar-se, ainda que unicamente na mente de Bentinho? Aqui, aplicado à questão que desejamos pesquisar é o discurso de Bentinho para ele próprio, o seu discurso falso do qual não consegue mais livrar-se, enraizado, desvincula-se do que não tem correspondência com a realidade.
§ 41 Há, por assim, dizer, um monólogo/diálogo que se desenvolve solitariamente em seus pensamentos, tudo em seu pensar se liga aos sinais do cotidiano até resultar em um discurso que postulamos como discurso falso, não em relação ao discurso em si, mas em relação do discurso em correspondência com a realidade. Em outras palavras, o discurso elaborado parece verdadeiro, alguns sinais adquirem vida que soa como verdadeira dentro do seu pensamento, mas é Bentinho quem escolhe tais sinais vindos de Capitu, é Bento Santiago quem filtra, por assim dizer, os sinais que cabem no discurso que vai pouco a pouco se estruturando dentro do pensamento. Muito embora o discurso pareça verdadeiro, porque existem ‘sinais’ trazidos da vida real para dentro do próprio pensamento, talvez não o seja real se levado à realidade dos atos de Capitu; não haveria continuidade entre discurso e realidade, o que os ligaria é a dúvida, que sendo ponto de partida desencadeou um pensamento após o outro até que resultasse em um discurso, ainda que soe verossímil em si, torna-se discurso falso se pensado em correspondência com o real.
§ 42 Na Filosofia procuramos sempre compreender a estrutura, ou melhor, como o pensamento de um determinado filósofo foi se construindo, estruturando, quais seus pressupostos, o que foi derivado ou fundado a partir destes, pois que fundam inúmeros outros pensamentos ampliando um discurso que às vezes fora um simples enunciado, uma simples dúvida, talvez um pensamento solto do tipo en passant. Com isto queremos dizer, nosso estudo é antes de mais nada e, sobretudo, o movimento do pensar de Bentinho, queremos ver-lhe em seus pressupostos, desvelar-lhe em seus desdobramentos e, se possível, vislumbrar: seu pensar dar-se-ia dentro do que chamaremos de «dialética ascendente negativa»?
§ 43 Explicamos: dialética porque há uma ascensão do pensamento, ele se desenvolve e se amplia à medida que o próprio pensamento de Bentinho vai se tornando um longo discurso sobre a dúvida da traição de Capitu, traiu?, não traiu? Tudo ao seu redor vai se ligando a essa questão. Negativa, porque embora ela ascenda em direção a uma complexidade cada vez maior dentro do diálogo que Dom Casmurro faz consigo mesmo, surge como representativa de uma degeneração de si e do outro perante algo que só o pode ser provado como realidade, na dimensão procurada pelo próprio personagem, pelo discurso elaborado por ele mesmo. Negativa porque representa, diante de nossa hipótese, a natureza humana descrita machadianamente.
§ 44 Se a traição de fato ocorreu e, nesse caso, necessário seria perguntarmos: por que somente Dom Casmurro construiu todo o percurso da traição se ela deveria estar, sobretudo, no pensamento de Capitu? Por que razão todo o discurso é elaborado por Dom Casmurro se a traição foi cometida por Capitu? Essa forma de perguntar, contudo, seria injusta, pois seria como acusar o autor por ele não ter sido claro o suficiente sobre a dúvida que perpassa toda a narrativa, logo, seria como colocar em xeque justamente o que torna a obra tão instigante e aberta a tantas pesquisas. Por esta razão, talvez nos seja impossível discorrer sobre essa hipótese porque continua apontando para a primeira hipótese, está implícita na narrativa: o caso é que o pressuposto central de toda a narrativa está apoiado no pensar de Dom Casmurro e se torna quase impossível não tentar compreender o que Machado de Assis quis que compreendêssemos (ou não) sem o desenrolar do pensamento do personagem-narrador. Na verdade, uma abordagem sem o seu pensar torna-se impossível, esse seria mais um motivo para adentrarmos no que chamamos de uma evolução do discurso falso que Bentinho realiza para si mesmo ao longo de sua vida com Capitu, porém, derivado em discurso falso por uma conexão ou entrelaçamento de enunciados, observações, sinais do cotidiano, que apontariam para uma realidade que, contudo, só teria tido existência para o próprio Dom Casmurro.[7]
§ 45 Em outra analogia filosófica, lembra uma das questões centrais da filosofia, de quase toda a história do pensamento humano, na palavras de Hegel: “o real é racional? O racional é real?”, transpondo para Bentinho, teríamos: o real (a traição de Capitu) é racional (o pensar de Dom Casmurro)?, o racional (o construído por Bentinho sobre a possibilidade de traição de Capitu) é real (de fato ocorre?). Em outras palavras: o pensado por Bento Santiago, seu pensamento, «é» verdadeiramente «como» aquilo que vive no seu mundo real? O mundo real do cotidiano, com seus dizeres e não-dizeres, é apreendido por ele e pelo seu pensar exatamente como ele «é»? Onde estaria a possibilidade de que a vida real fosse derivada no pensamento em dizeres que não correspondem com o que «é»?_ com o que «é» predicado, enunciado, constituinte do discurso a partir da linguagem que o manifesta. Como saber que o pensado de fato existe? Existiu? Pelas construções do pensar, mas fica a questão já antiga na Filosofia, de que para tanto é preciso uma linguagem que faça a «construção» e a mediação entre a subjetividade daquele que pensa e a realidade. Indo um pouco mais além, relembramos outra questão discutida amplamente na Filosofia: é possível um pensamento sem linguagem e uma linguagem sem pensamento?
§ 46 Como o pensamento de Bento Santiago foi se estruturando e como chegou, considerando nosso pressuposto inicial, a se constituir como discurso falso em relação à realidade e à dúvida que perpassa toda a obra: Capitu traiu ou não traiu Bentinho?
§ 47 Entre as razões pelas quais aproximamos o discurso falso de Platão, embora não o pretendemos utilizar como explicação de esferas ontológicas (transcendentes ou metafísicas), com a Obra Dom Casmurro de Machado de Assis, mencionamos: a narrativa de Dom Casmurro permite uma incursão através de uma abordagem que nos pareceu relevante, pois possibilita: desvelar o pensamento do personagem e não o pensamento ‘direto’ de Machado de Assis, dessa forma, um estudo sobre uma segunda subjetividade, já que não desejamos adentrar pelo pensamento do autor em sua construção ficcional, mas a partir do pensar que se estrutura dentro da própria ficção; segundo: a idéia de discurso falso é muito provavelmente a primeira construção não só filosófica, mas de todo o pensamento ocidental, aproximá-la com uma obra da literatura brasileira conferiria a esta um alcance universal a mais, que pensamos ser importante para nossa literatura; além disso, as duas obras tratam sobre o pensar e sua estruturação, tratam sobre verdade e dissimulação, sobre possíveis caminhos da estruturação do pensamento e suas formas de manifestá-los diante da vida, ambas as obras, embora em tempos, épocas, intenções distintas, abordam pontos semelhantes o que possibilita uma interessante aproximação filosófica e literária. Outra razão: demonstrar, através do estudo realizado no Diálogo Sofista de Platão sobre o discurso falso, que existe ainda aplicação da filosofia clássica ocidental desde que consigamos vislumbrar uma transposição sensata de suas idéias para a área da literatura. Não sugerimos aqui nada de novo, mas acreditamos que a aproximação de teorias em conexões diferenciadas podem ainda possibilitar a construção de textos teóricos, na área da literatura brasileira, senão com interpretações novas, com uma forma-outra de dizer, interpretar, analisar. Assim, apenas as conexões e escolhas do que propomos aqui é talvez marcada por um traço leve de diferença.
§ 48 Pesquisar a obra Dom Casmurro tendo em mente a hipótese central com seus possíveis desdobramentos, a partir da hipótese central: a traição é resultado da construção do movimento de Bento Santiago em um diálogo que vai sendo realizado, detalhada e obstinadamente, no mais profundo silêncio e ocultação de si próprio diante do outro (no caso, diante de Capitu), um pensamento que vai se formando e se fortalecendo porque encontra dentro do próprio discurso «como se fosse» o real, mas derivado em discurso falso a partir de uma conexão lógica de auto-enunciados que parecem dizer a «realidade», realidade esta procurada por Bentinho, todavia, existente dentro do seu pensamento. Daí poder-se-á trabalhar em cima de outros desdobramentos como, por exemplo, distinguir: a traição (dentro do pensar de Bento S.) a partir da construção do pressuposto de discurso falso, classificada como: predicativa, veritativa ou existencial. Pesquisar a lógica das conexões dentro do discurso de Bentinho, o que é predicado de forma verdadeira como um enunciado, mas não sendo verdadeiro em termos de realidade.
§ 49 Pressuposto nosso que funda a hipótese: Capitu não traiu. A traição é produto da mente de Dom Casmurro. Desejamos saber: como é que a traição se estruturou na mente de Dom Casmurro e qual a possibilidade de ter correspondência com a realidade? E, sem correspondência com a realidade, como é que o pensamento de Dom Casmurro chegou a uma quase-certeza do que não existiu? Até que ponto a linguagem do pensamento conseguiu conduzir os atos de Bento Santiago?
§ 50 É importante relembrar que toda a construção se dá dentro do silêncio dos pensamentos de Dom Casmurro, o diálogo, por assim dizer, da alma consigo mesma, é unicamente dele, é assim que se vai ampliando, ascendendo numa esfera que se torna a arte do discurso, todavia, arte invertida, negativa, isolada, dissimulada, real para ele, irreal diante da vida cotidiana com Capitu.)_ conferir com todas as passagens da obra.
§ 51 Capitu traiu ou não traiu Bentinho? Sim, mas unicamente para Bentinho. De que forma? Pela construção do discurso falso, ampliado, ascendendo cada vez mais para longe do que realmente «é», e que Platão chamaria de dialética descendente. Preferimos aqui chamar de dialética ascendente, porque muito embora pressupomos uma distância cada vez maior da realidade, há a ascensão dentro do pensamento, em outras palavras, Bentinho chega a total ascensão de sua dúvida inicial: Capitu traiu.
§ 52 A GÊNESE DA QUESTÃO SOBRE A DÚVIDA DE DOM CASMURRO: antes de iniciarmos a nossa exposição descritiva-explicativa e as razões que conduziram Dom Casmurro a elaborar pensamentos, que irão no decorrer da narrativa se ampliar cada vez mais, precisamos situar em que parte da narrativa Dom Casmurro coloca pela primeira vez para si mesmo a dúvida sobre a fidelidade de Capitu. Em que capítulo e passagem, em que circunstância e pensamento, elabora ele, pela primeira vez, a dúvida sobre Capitu? A questão sobre a traição de Capitu passa necessariamente por um primeiro momento de dúvida, a dúvida inicial de onde seria, posteriomente, desdobrado todo o discurso que Bentinho comporá de forma extraordinária até o final da obra, pois todo o entrelaçamento de seus pensamentos possui aparência de real, de verdadeiramente real.
§ 53 Questão central do texto de Dom Casmurro sempre perguntando para si a pergunta que o próprio Dom Casmurro se faz durante todo o percurso da narrativa: Capitu traiu ou não traiu? É como se a dúvida de Dom se perpetuasse na mente dos leitores e estudiosos, como se a questão continuasse por si só, independente do término da história, em suma: a mesmíssima pergunta se perpetua para todos que lêem a obra, assim, é uma das raras interrogações em torno da qual há unanimidade. Em analogia shakespeareana, no lugar do “ser ou não ser”, temos: traiu ou não traiu? Contudo uma das formas de ser e de não ser da natureza humana.
§ 54 Imaginamos que o pensamento de Bentinho tenha tido uma repercussão inquietante, sobre o espírito de seus leitores contemporâneos, a inquietante e sombria dúvida que pergunta pela traição do ser amado, a inquietante resposta dada por Machado de Assis, uma resposta não-dada, que como para Bentinho, deve estar dentro do pensamento do leitor, é ele quem escolherá a resposta. Desse ponto de vista, a narrativa lembra muito os diálogos de Platão, pois é o leitor que através do movimento de seu pensamento escolhe a resposta que ‘cabe’ dentro do universo de seu discurso entrelaçado com o real, desviado do real, derivado para conclusões que parecem estar em sintonia do pensar com a realidade. A passagem do pensamento para a realidade e da realidade apreendida de volta para o pensamento através, sobretudo, da linguagem que nele habita, concede as respostas tão insistentemente procuradas. A resposta da dúvida de Dom Casmurro, diante do leitor, estaria também vinculada ao discurso que este realiza para si durante a leitura, o diálogo de Bentinho consigo próprio passa a ser também o diálogo do leitor com o seu universo de apreensão entre linguagem e realidade. Talvez fosse possível esboçar outra hipótese aqui: desejaria Machado de Assis que o leitor pensasse em sua forma de construir seu discurso de compreensão ao longo da vida? Desejaria ele que o leitor olhasse para si e perguntasse: sou eu prisioneiro de um discurso que pertence unicamente a mim mesmo? A mim e a realidade para onde eu coloco tal discurso?, tal movimento de pensar a realidade?, serei eu mais um a apreender minha realidade em formação de discursos com aparência de realidade quando talvez sejam apenas um produto de enunciados entrelaçados com lógica, porém sem conexão com o que realmente se passa na vida?
§ 55 A dúvida sobre a traição de Capitu não seria mais que uma série de palavras entrelaçadas e a formar um pensamento após o outro que irão se constituir num discurso do qual Bentinho não tem mais como retornar; discurso que para ser desfeito teria que desconstruir também as sensações, percepções, certezas, em suma, todas as lembranças que ele possui teriam que ser resignificadas, pois disseram o que não é para dizer o que é: o que Bento Santiago quis que fosse.
§ 56 Para que Bento Santiago pudesse chegar à certeza de que Capitu lhe foi fiel a vida toda (como lhe prometera ainda na infância), ele teria que desfazer/desconstruir todo o discurso, teria que negar boa parte da vida. Que ser humano seria capaz disso? Dom Casmurro preferiu ficar com o seu pensamento, com aquilo que se construiu ao longo de tanto tempo, para resignificar seria preciso no mínimo um ato contínuo de desconstruir. Como realizar isso tentando convencer as emoções e sentimentos e percepções? Nessas alturas já entrelaçadas com o discurso falso?
§ 57 O discurso talvez sirva apenas para reforçar, ampliar aquilo que já existe nos sentimentos? Ou seria o discurso capaz de convencer sensações e sentimentos?
§ 58 A construção de pequenos sinais que foram se somando, e que em sua totalidade dão a ele a resposta que todavia fora construída em seu pensamento: Capitu o traíra sim. O pensamento que era só uma dúvida inicial, capaz de ir produzindo sentimentos.
§ 59 Possível desconstruir um raciocínio, mas como seria possível apagar por completo tudo aquilo que foi gerado a partir dele?, o ciúmes, a raiva, o ressentimento pela possibilidade da traição, etc etc., como desfazer o que foi sentido?
§ 60 Portanto, se possuímos na tese do movimento do pensar de Bentinho a formar um discurso verdadeiro em enunciados, ainda que não verdadeiros com a correspondência com a realidade, podemos pressupor o movimento de seu pensar como discurso falso tomado por ele como verdadeiro, trazendo conseqüências inevitáveis para a sua vida, a de Ezequiel e de Capitu.
§ 61 Possível igualmente dizer que possuímos aí uma tentativa ontológica do pensamento de Dom Casmurro, por que não dizer do próprio Machado de Assis? Que para fornecer solução diante do impasse entre a fidelidade e a traição trata de justificar a realidade através do que o pensamento conseguiu deduzir pelo movimento construído parte por parte e que para ele é uma totalidade: a totalidade do ato de traição cometida pela sua amada Capitu. A verdade procurada pela via do pensamento implicaria a realidade empírica, o que entra em contradição, pois o empírico não dá total certeza a Bentinho, é só em seu pensamento que ele encontra a certeza de ser traído. Onde poderá encontrá-la então? Em Ezequiel, deduzirá ele mais tarde.
§ 62 Bento Santiago «é» seu pensamento. Melhor predicação para Dom Casmurro não é a predicativa, nem a existencial nem a veritativa, mas o fato de que aquilo que é pensado torna-se realidade segundo o entrelaçamento do pensar com os sinais, partes da vida porque não é possível «ver» tudo, desvelar tudo. A questão das lembranças, a narrativa é um olhar para trás, pensar dentro do pensamento, até que ponto é possível pensar o que existiu da forma como foi? (produto da mente machadiana: lembrar não seria sempre uma forma de reescrever a vida?, lembrar, relembrar com repetição de um mesmo discurso não pode tornar a vida aquilo que ela não foi?, a linguagem predicada ao passado não sendo real pode vir-a-ser. O erro de Bento Santiago: o ato de recordar deu solidez à sua dúvida, Bento Santiago não era homem para recordações, talvez o ser humano não seja, recordar é sempre unilateral, discurso construído como se quer.
§ 63 Como pretendemos explicar a derivação do discurso falso que se iria ampliando cada vez mais no pensamento de Dom Casmurro? Para tanto utilizaremos o esquema que Platão sugere no Diálogo Sofista por ser o primeiro pensamento filosófico do ocidente sobre o assunto. Sabemos que alguém poderá dizer: mais eis, Dom Casmurro colocado como um sofista? Um «produtor de falsas imagens»? Talvez definir Dom Casmurro como um sofista esteja numa esfera extrapolada diante da obra de Machado de Assis, não é o caso de aproximá-lo dos sofistas, mas apenas de utilizar a questão do discurso falso, de como é possível que ele pareça real e verdadeiro diante de uma realidade que não é real além do movimento do pensamento daquele que o realiza. Além disso, no referido diálogo, embora Platão desejasse dar uma resposta à relatividade do discurso dos sofistas, que não pressupunham a busca da verdade e invalidavam a teoria das idéias, o que queremos utilizar é tão somente a idéia de uma das definições sobre o que seja o discurso falso, a de que o entrelaçamento de nomes (no sentido de palavras) pode construir um discurso com enunciados lógicos, porém não significa que sejam reais diante da realidade ou ainda de uma realidade realíssima, como é o caso, da teoria das idéias do Platão da terceira fase. Portanto, não será utilizada a noção de discurso falso a partir de uma visão ontológica-metafísica, transcendente ou de qualquer forma do realismo filosófico, mas tão somente a idéia de «entrelaçamento das formas», transposta para o «entrelaçamento» do que é predicado no pensamento em relação à realidade (fenomênica). Pretendemos utilizar também a noção grega de predicação veritativa, existencial e predicativa transposta para a traição, bem como uma das definições de dialética.
§ 64Possíveis caminhos para a pesquisa:
CAPÍTULO 1 — O QUE DIZEM NOSSOS TEÓRICOS SOBRE DOM CASMURRO (revisão de bibliografia especializada sobre a obra Dom Casmurro)
CAPÍTULOS 2 — DESCONSTRUINDO A NARRATIVA (trabalho analítico para desconstruir o pensamento de Bento Santiago) 2.1 - Pensamentos de Dom Casmurro: desconstruindo a narrativa 2.2 – Sinais do cotidiano ‘filtrados’ por Dom Casmurro
CAPÍTULO 3 — EXPLICANDO O DISCURSO FALSO 3.1 A origem da idéia sobre o discurso falso no pensamento ocidental (exposição dos nossos estudos sobre o «discurso falso» no diálogo Sofista de Platão 3.2 O nosso «discurso falso» desdobrado para Dom Casmurro 3.3 O «discurso falso» de Bento Santiago (como se estruturou o pensamento de Bento Santiago)
CAPÍTULO 4 – DESDOBRAMENTOS POSSÍVEIS A PARTIR DO DISCURSO FALSO PRESSUPOSTO NA MENTE DE BENTO SANTIAGO 4.1 Pensamento dialético que tende a uma de suas faces: a traição (oposto: fidelidade_ implícito e negado) 4.2 «Dialética ascendente negativa» 4.3 Da impossibilidade de abandonar a construção de um pensar constituído por enunciados e sinais «reais» 4.4 A correspondência da traição de Capitu não com a realidade mas com o caminho percorrido pela construção do pensamento de Bento Santiago 4.5 A correspondência da traição de Bento Santiago não com a realidade mas com o caminho percorrido dentro de seu próprio discurso falso
CAPÍTULO 5 - A APORIA DA IMAGEM DA TRAIÇÃO 5.1 Capitu «traiu» Bentinho, mas Bentinho não traiu ao seu próprio pensamento/discurso 5.2 Bentinho «não traiu a si mesmo»: fiel aos seus pensamentos, mas traiu a promessa feita à Capitu
CAPÍTULO 6 - ENTRELAÇAMENTOS POSSÍVEIS ENTRE DISCURSO FALSO E REALIDADE 6.1 Discurso falso de Bentinho e não correspondência com a realidade da traição 6.1.1 Discurso falso de Bentinho a partir de enunciados predicativos Capitu traiu. Enunciado predicativo: Capitu é uma traidora. Verdadeiro para o discurso de Bentinho somados aos sinais do cotidiano filtrados por ele próprio 6.1.2 Discurso falso de Bentinho a partir de enunciados existenciais Capitu traiu. A traição de Capitu existe enquanto «algo/ato» que dito cria a existência real 6.1.3 Discurso falso de Bentinho a partir de enunciados veritativos Capitu traiu. A traição de Capitu é verdadeira. Sendo verdadeira é real. Porém, real e verdadeira para quem?
§ 65 Possível caminho para respostas _ O entrelaçamento feito por Bento Santiago que acaba em discurso falso se sustenta dentro de seu próprio pensamento, mas é essa a base pela qual Bentinho irá viver e fazer suas escolhas. Sua forma de pensar, melhor, de construir seu «universo» de pensamento foi a sua sustentação para que a vida fosse para ele como foi:
“O resto é saber se a Capitu da Praia da Glória já estava dentro da de Mata-cavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente. Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu cap. IX, vers. I: "Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti". Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca. E bem, qualquer que seja a solução, uma coisa fica, e é a suma das sumas, ou o resto dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me... A terra lhes seja leve!” Machado de Assis. Dom Casmurro. Ùltimo §.
[1] Exemplo fornecido por Nicolas Abbagnano no verbete ironia para a explicação da primeira forma: a ironia socrática. [2] A expressão «chamamento ao leitor» foi inspirada na Poesia de Hilda Hilst, «Dez Chamamentos ao Amigo». [3] Para este «ensaio» nos limitaremos somente à leitura de alguns contos do autor, não sendo abordado, neste momento, romances, novelas e outros escritos de Machado de Assis. [4] Sobre o termo ironia: No Dicionário de Filosofia de Abbagnano, ironia, em grego. eirwneia, significa,em geral a atitude que consiste em dar uma importância muito menor do que o justo (ou daquela que se julga tal) a si mesmo ou à própria condição ou situação ou a coisas ou pessoas que têm estreitas relações consigo mesmos. A história da filosofia conhece duas formas fundamentais de I.: 1ª a ironia socrática; 2ª a ironia romântica. Os diferentes significados foram inseridos dentro do texto como formas possíveis de compreender o uso da ironia nos contos de Machado de Assis ao lado da interpelação do autor ao leitor. No Dicionário Platon Im Context Plus Werke Auf CD ROM, Alemão/Grego, é possível, ainda que não se conheça a língua alemã, buscar palavras em toda a Obra de Platão digitando a palavra transliterada, euroneia, o cd possui um sistema de busca que abrande todos os diálogos e, dessa forma, é possível localizar em que Diálogo e em que partes as palavras aparecem. No caso, de euroneia, é curioso observar que aparece uma única vez em todos os diálogos platônicos. A busca no CD-ROM localizou a mesma passagem da República, I, 337 A, (em epígrafe parte da passagem) utilizada por Abbagnano como exemplo de ironia socrática. Não é difícil deduzir que para os gregos, aqui, em especial, para Platão, a palavra euroneia parece conter vários significados, além daquele atribuído à ironia socrática. No LEXIQUE, Platon Oeuvres Completes, Lexique de la Langue Philosophique et Religieuse de Platon, 2ª Parte, o termo euronêia aparece somente uma vez na mesma passagem já mencionada, mas constam outras palavras declinadas de euronêia. O Dicionário Ferrater Mora, talvez apresente a definição mais interessante em se tratando de Machado de Assis, diz que “o verbo grego eirwneuomai,significa dissimular e especialmente ‘dissimular que se ignora algo’. Aquele que pratica a ironia diz menos do que ‘pensa’, geralmente com o fim de soltar a língua de seu antagonista. A ironia não é, pois, uma mera ficção; antes ocorre que a ficção é utilizada pelo irônico com determinada intenção. Costumam ser distinguidas duas concepções de ironia: a ‘clássica’ e a ‘romântica’. A ironia clássica é representada principalmente por Sócrates: “Eis aqui a bem conhecida ironia de Sócrates; eu bem sabia, e o predisse, que quando chegasse o momento de responder você se recusaria a fazê-lo e dissimularia [“ironizaria”] e faria qualquer coisa antes de responder a qualquer pergunta que qualquer um pudesse fazer” [Platão, Rep. I, 337a]. Sócrates empregava o método da ironia como essa ficção de ignorância conseguia que seu interlocutor se desse conta de sua própria ignorância. Assim, aquele que pretendia não saber, sabia, e aquele que pretendia saber, não sabia. Aristóteles definiu a ironia mais como ‘simulação’ que como ‘dissimulação’. A ironia se oporia à veracidade. [Eth. Nic. II, 7, 1008, 20-23]. Ferrater Mora cita ainda Tomas de Aquino e depois passa a falar sobre a ironia romântica, Schlegel seria aquele que mais se distinguiu sobre o assunto. Kierkegaard tratou do conceito de ironia em Sócrates e após os românticos muitas foram as definições dadas à ironia até hoje. (p. 1559), o final do verbete aponta para uma idéia interessante que acaba sendo uma volta a Sócrates: um tipo de ironia que almeja a compreender melhor a realidade que nunca é completa. [5] Para fazer a distinção entre o título da obra e a sua personagem central e narradora, usaremos o itálico quando se referir à Obra Dom Casmurro, como é o usual para o título das obras em trabalhos acadêmicos, e sem o itálico quando se referir à personagem de mesmo nome. [6] A gênese da não aceitação viria pelas sensações ou pelo discurso? Dito de outra forma, viria pelo que fica numa esfera anterior à linguagem e assim ao próprio dizer que ao ir se constituindo forma o discurso do pensamento? [7] Relembrando O Alienista, não teria Machado de Assis certa obstinação em construir personagens possuidores ou com traços de fortíssimas certezas?, com uma força tão grande a envolver (a si próprio) de um modo que ele sequer percebe que é o único a pensar o que pensa, vide O Alienista, é um bom exemplo dentro da obra machadiana de uma certeza absurda, a diferença entre o Alienista e Dom Casmurro é que em O Alienista a personagem central se «entrega» à sua própria certeza enquanto liberta todos os outros personagens (talvez representem a humanidade inteira), enquanto que em Dom Casmurro, Bento Santiago, personagem central e narrador, não se entrega à sua dúvida-permanente a ponto de admitir seu absurdo discurso, seria como enunciar para si: o único que pensa o que penso sou eu mesmo, sou eu quem pensa que Capitu traiu; mas, Bentinho não chega a realizar esta «entrega» de si mesmo, antes, ele se entrega à construção de seu discurso para apegar-se à certeza, mas não é capaz de dizer-se: o absurdo do qual me convenci!, ele permanece no mesmo lugar com os mesmos pensamentos e com a mesma dúvida-permanente e faz Capitu e Ezequiel viajarem, são estes que saem de cena, por assim dizer. Bentinho conseguiu não conseguir mais desvencilhar-se, ele «é» o absurdo que constrói e elabora a traição de quem ama; seria como o Alienista numa esfera adiantada da qual não pode sequer «internar-se», a única coisa que pode ainda realizar é a fé no seu próprio discurso_ porque as leis são belas, diz Bentinho no início da obra, as leis do pensamento?

RELAÇÃO DA BIBLIOGRAFIA DE PONTA QUE ME AJUDARIA A DESVENDAR TODAS ESTAS REFLEXÕES SOBRE MACHADO DE ASSIS: O método adequado para a presente pesquisa é, inicialmente, o analítico como forma de desconstruir a obra Dom Casmurro em busca de dois pontos centrais: a estruturação do pensamento de Bento Santiago e os sinais do cotidiano “filtrados” por ele e que serão constituintes ‘empíricos’ dentro do pensar de Bento S. Demonstrativo-explicativo: na parte de revisão de literatura especializada, seleção e análise do material já escrito pelos especialistas da obra de Machado de Assis, em especial, sobre a Obra Dom Casmurro. Leitura de artigos e textos dos teóricos da literatura brasileira, bem como retomada sobre o «discurso falso» em Platão. Distinção de alguns termos filosóficos que possuem definições diferenciadas como, por exemplo, o termo «dialética», que só em Platão há várias significações distintas. Os 148 capítulos que compõem toda a narrativa de Dom Casmurro serão analisados de dentro do pensamento da personagem. Buscar-se-á a conexão do discurso de Bentinho, as partes que vão se unindo e se formando de um simples enunciado a um discurso completo, com aparência de verdadeiro. Desconstrução de toda a narrativa e reconstrução sob o ponto de vista do movimento do pensamento. Leitura dos teóricos especialistas da obra de Machado de Assis, como Roberto Schwartz, Sérgio Buarque de Hollanda, João Hernesto Weber, Antonio Candido, etc. Leitura dos teóricos contemporâneos de Machado de Assis, como Silvio Romero e José Veríssimo. ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Editora W. M. Jackson, 1938. ASSIS, Machado de. Crítica literária. Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre: W. M. Jackson Inc., 1955. _____ Obra completa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997. _____Obra completa. Florianópolis: http://www.machadodeassis.ufsc.br NUPILL/UFSC, 2008. WEBER, João Hernesto. Machado de Assis: uma apresentação. Ensaio de apresentação da obra de Machado de Assis para o site http://www.machadodeassis.ufsc.br/ contendo toda a Obra do autor. Responsável pelo site com toda a obra digitalizada: NUPILL, Núcleo de Processamento de Informática, Literatura e Lingüística, Coord. Alckmar dos Santos. BOSI, Alfredo. Machado de Assis. O enigma do olhar. São Paulo: Ática, 1999. ____ Brás Cubas em três versões: estudos machadianos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. CALDWELL, Helen. O Otelo brasileiro de Machado de Assis. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002. CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. São Paulo: Martins, 1964. ______A educação pela noite & outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987. ______Literatura e sociedade. São Paulo: Editora Nacional, 1965. ______Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1970. ______O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1998. Recortes. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. GLEDSON, John. 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