quarta-feira, 21 de setembro de 2005

O ceticismo implícito no jogo dialético_ ou na ironia socrática_ & a Relação de Sócrates-o-Bom-Cético com a Atividade do Filósofo Clínico

O ceticismo implícito no jogo dialético_ ou na ironia socrática_ & a Relação de «Sócrates-o-Bom-Cético» com a Atividade do Filósofo Clínico “Consideremos por um momento Sócrates que, afinal, também foi um mestre. Nasceu sob determinadas condições, formou-se no povo ao qual pertencia e quando, numa idade mais madura, sentiu a vocação e um impulso, começou, a sua maneira, a ensinar outras pessoas”. Kierkegaard. In: Migalhas Filosóficas A filosofia grega, às vezes, apela, como bem ressaltou Cornford, para a “omissão de muitas coisas para as quais não se encontrou espaço”, poderíamos dizer: para as quais continuamos buscando interpretações, relações, indícios, sinais, de que é possível perceber ainda novas nuances no pensamento dos gregos. Nesse sentido, não se pretende colocar nas idéias de Sócrates interpretações distanciadas de um filósofo considerado como figura central da filosofia ocidental, mas, antes de qualquer exagero, lançar luz através da “conversão [de Sócrates] da filosofia do estudo da Natureza para o estudo da vida humana”, à tentativa de ver a presença do não-saber como parte da condição do homem e o ceticismo como um instrumento implícito no jogo dialético da maiêutica. Para seguir nessa compreensão vamos nos centrar nas palavras fundamentais do pensamento socrático, ou seja, na inscrição do Oráculo de Delphos, onde Sócrates encontrou, provavelmente, sua mudança, da forma dos pré-socráticos filosofarem, para a descoberta da alma humana: “Conhece-te a ti mesmo”, e na máxima socrática: “Só sei que nada sei”, a nosso ver duas sentenças com estreita ligação ao problema “de que a alma do próprio homem, e o significado de sua própria vida representam para ele [Sócrates] mais do que (...) a compreensão da natureza exterior”. A inscrição no templo, atribuída a um dos sete sábios da Antigüidade, fez Sócrates deslocar a busca de um princípio (arkhé) com o qual os filósofos pré-socráticos pretendiam responder à questão do que está por trás da origem, do movimento, da mudança e da continuidade do cosmos vindo, dessa forma, a explicá-lo, para outro centro do pensamento filosófico. Com certeza não desprezou as experiências que os filósofos da natureza realizaram no intuito de obter uma resposta à busca desse princípio, mas deu um significativo avanço e nova direção para a questão, pois Sócrates coloca na alma do próprio homem a arkhé, a origem, o movimento, o devir e também aquilo que permanece no que muda, a arkhé se transforma, assim, na alma humana, não mais um princípio material da natureza como também nem só devir e nem só permanência. Quando Sócrates chega à conclusão de que nada sabe_“só sei que nada sei” _ embora o desejo fosse o de conhecer-se a si mesmo, acaba por colocar o não-saber como um caminho para encontrar as virtudes da alma. No entanto, o desvelar da totalidade de seu ser não é possível, pois isto somente a um ser divino poderia ser atribuído, como Platão escreve na Apologia: (...)“O provável, senhores, é que, na realidade, o sábio seja o deus e queira dizer, no seu oráculo, que pouco valor ou nenhum tem a sabedoria humana (...)”Esse não-saber se traduzido por não-ser detentor de uma real sabedoria, pode ser interpretado como a imperfeição daquele que se diz já ser um sábio e, porém, não o é porque a falta de uma sabedoria plena, o muito avançar no conhecimento de si próprio não torna o homem um ser acabado em tal processo de conhecimento, por mais que avance no saber será sempre uma sabedoria humana e se comparada à divina, na fala do próprio Sócrates indica que “pouco valor ou nenhum tem”. Sob um outro ponto de vista, o homem Sócrates, em constante devir no seu não-saber, não será nunca sempre o mesmo e, no entanto, o será: Sócrates será tão somente Sócrates, nunca outro homem, pois o seu devir não o transforma em outro indivíduo, sendo a sua alma que tende a se tornar um pouco mais sábia, um pouco mais justa, um pouco mais descoberta para si própria: virtuosa. Se pensarmos, além disso, no método utilizado por Sócrates, o jogo dialético: pergunta-resposta-pergunta-resposta [...] torna-se necessário na resposta anterior, a idéia de uma dose de não-saber, pois a última resposta dada é sempre insatisfatória e, por isso, será seguida de outra pergunta, o método diz: só podemos saber que não sabemos porque a alma não cessa de ascender do ponto em que se encontra; o método de Sócrates deseja trazer à luz a sabedoria possível de ser encontrada, embora nunca completamente pois isto o transformaria em um ser divino, mas Sócrates o sabe: é apenas um homem que vislumbrou no Oráculo de Delphos a força animadora deixando para trás os princípios, sobretudo materiais, dos pré-socráticos para colocar a consciência de si como o ato de todo o filosofar, ou seja, a própria vida do homem. Seria possível nos indagarmos: o que Sócrates teria realmente pensado ou sentido diante da inscrição quando a leu pela primeira vez? Nunca saberemos seu primeiro pensamento, mas ele a intuiu, pensou ou sentiu O conhece-te a ti mesmo, conduzindo o homem para um princípio que está ou é ele próprio, no que muda e também naquilo que permanece no que muda. Suas dúvidas, diante de respostas-absolutas, acabaram por despertá-lo à consciência de ser apenas um homem dotado de pensamento e de alma, alma esta que viu no desejo de sabedoria filosófica uma outra margem não vislumbrada pelos fisiólogos, aquela de ser um sábio que, porém, sabe que nada sabe. Seria preciso relembrar: Sócrates nada escreveu, sua dialética era essencialmente pela oralidade, porém, se pensarmos nessa espécie de não-saber, atribuída a Sócrates através da insatisfação com as respostas encontradas, perceberemos que o filósofo não aceita uma resposta como sendo a última resposta para si mesmo, dialética esta realizada através do constante indagar. Aqui podemos perceber o hábito de colocar as respostas em dúvida através de uma nova pergunta e, nos indagarmos: não haveria nessa postura uma dose cética na medida em que se coloca sempre em suspenso a “última” resposta? Tal postura cética pode ser vista como algo que não se tendo certeza de que se sabe alguma coisa dispõe o homem para a dúvida em relação ao conhecimento, entretanto, a resposta não tem um objetivo de verdade absoluta e o ceticismo, neste caso, funcionaria apenas como um não-saber e a consciência como a de não-ser totalmente um sábio. Contudo, torna-se essencial mencionar, Sócrates não foi um cético se comparado ao ceticismo filosófico, sua disposição de “suspeitar” de si mesmo unicamente o aproxima do significado do termo cético. Segundo o especifica Ferrater Mora, originariamente o termo significa “aquele que olha ou examina cuidadosamente, ceticismo significa então “ tendência a olhar cuidadosamente”_ entenda-se bem, antes de pronunciar-se sobre algo ou antes de tomar qualquer decisão. O fundamento da atitude cética é a cautela, a circunspeção.” Façamos nesse ponto uma analogia com o termo teoria, em grego significa ver mais alto e mais longe, abstrair-se, separar-se de, distanciar-se para ver melhor. Sabemos, pelos dados históricos e testemunhos, em especial de Platão e Xenofonte, que Sócrates não foi um pensador-escritor, como então buscava ver mais alto e mais longe? Vamos imaginar uma cena: somos nós mesmos um interlocutor de Sócrates, e ele está a dizer: “não se pode estar nem muito perto nem muito longe quando se quer conhecer algo, não se pode estar muito distante porque senão não veríamos nada, não poderíamos ver.” Com isto façamos uma metáfora da “teoria” grega socrática não-escrita: tais palavras nos levariam, talvez, a ter uma imagem, quem sabe de nossos próprios pensamentos, a se distanciar de algo_o que desejamos conhecer_ como passos dados para trás, como um distanciar-se infinito e contínuo sem que pudéssemos ser interrompidos, uma sensação de que tal coisa seria, não uma tentativa de conhecer, mas ao contrário, de perder esse algo que se quer conhecer, pois o movimento da imagem sugere “fuga”_ pressupõe-se que o algo se encontra “parado”_ somos nós que nos movemos, isto é, o movimento do distanciar-se nos pertence. Tais palavras, quando ouvidas, “o não estar nem perto e nem longe”, fariam a imagem se dissipar, cessaria o movimento e nos veríamos de volta à realidade, uma realidade sem “teoria”, ter-se-ia dado um limite à sensação do movimento, o limite impediria a sensação de afastamento e permitiria retornar ao lugar em que não se está vendo nem tão alto e nem tão longe, pois a realidade impõe limites e o distanciamento não é provocado por passos que se dão ao inverso do exemplo da imagem. Toda teoria parece, diante dessa metáfora de imagens, impor um limite: nem perto nem longe, nem somente aqui nem somente lá, nem só eu e nem somente os outros, nem somente pensamentos nem somente intuições, nem somente o escrito e nem somente o falado, mas Sócrates nada escreveu, voltemos agora a esta questão. Por que razão não escrevera? Não acreditava ele na palavra escrita? Seu método funcionaria se ele o tivesse usado através do texto escrito? Para que pudesse fazer a sua teoria indagativa [o jogo dialético] não precisava ele do ceticismo da escrita e do ceticismo do templo de Delphos? Do ceticismo de sua máxima socrática do “só sei que nada sei”? E da atitude cética de que a última resposta nunca pode ser realmente a última, pois o homem se encontra em devir permanente de se conhecer? Não existiria na ironia socrática uma “simulação” de ceticismo? Alguém poderia argumentar: mas, segundo a tradição filosófica, Sócrates não foi um cético, acreditou acima de qualquer coisa na alma humana e nas virtudes, principalmente no bem. Sim, mas poderíamos nós responder: ser um cético não pressupõe sê-lo durante todo o tempo, primeiro porque teríamos de nos abstrair de todo o resto com uma distância que implica “passos infinitos para trás”, mas algo sempre nos traz de volta. Além disso, existem garantias de que quando lemos, falamos, ouvimos determinadas coisas elas, naquele momento, não fazem parte do que somos? A nos impulsionarem a continuar perguntando, seja o que for? Colocando o ceticismo como uma atitude que permite indagar sem, contudo, cair na radicalidade de Pirro? Que garantias possuímos de que não somos, ainda que por pouco tempo, aquilo que estamos pensando? Ainda que logo a seguir a “imagem” se dissipe e venhamos a chamá-la de metáfora[1]? e por que não ver a metáfora como sendo um “segundo pensamento” da realidade vivida ou imaginada, resgate do passado? Essa metáfora de imagem apenas para ilustrar e dizer que para ser verdadeiramente um cético teríamos que nos permitir estar longe de forma infinita [num total e puro estado de epoché, parece realmente impossível, pois teríamos que nos abstrair de tudo e de todos: da própria existência] ao mesmo tempo em que estivéssemos muito perto de nós mesmos, para garantir tal certeza: de ser cético. Idéias opostas entre si. Nesse sentido o cético precisaria doutrinar o seu próprio ceticismo, antecipar um certo “ser cético” diante de qualquer situação ou palavra futura, como um exército que ficasse de retaguarda para não desviá-lo de si mesmo. O ceticismo seria, assim, como uma seita privada com um soldado à frente de um exército de idéias a possibilitar a constante indiferença e impassibilidade para qualquer coisa que ameaçasse vir a colocá-lo numa posição não-cética, mas como faria isso se está sempre em total estado de “suspensão de juízo”? Dessa forma, não vemos a possibilidade de uma postura filosófica radical e extrema sem o esforço para manter e preservar tal postura através de raciocínios filosóficos, antecipados ou elaborados retoricamente como defesa. Mas, Sócrates, todavia, não foi um cético no real sentido da tradição filosófica, ele tão somente utilizou o comportamento maiêutico como parte de um modo de filosofar que permitia a dúvida com relação às respostas já encontradas no intuito de seguir na busca de si próprio. Não era, portanto, um ceticismo com um fim em si mesmo, apenas um instrumento para possibilitar à maiêutica seu objetivo e “despojar a alma da ilusão de certezas.” Que síntese poderíamos extrair dessa aproximação entre ironia socrática e ceticismo? Seria possível afirmar que a alma dotada de virtudes necessitaria ter consciência de que a certeza de verdades excluiria o método utilizado por Sócrates e, assim, seus próprios ensinamentos filosóficos? Se não há satisfação, no que se encontra a dúvida ainda permanece, se a dúvida ainda permanece é porque há uma dose de ser cético aliada à outra dose de saber que ainda não se sabe, de um não-ser totalmente sábio onde o constante indagar-se mostrando ao homem que o conhecer-se a si mesmo pressupõe um pensamento e uma atitude filosófica além de certezas ou verdades. Pois, o que seria mais sábio que obter a certeza de uma verdade ou falsidade? Talvez o que se dá em meio a tudo isso, aquelas coisas que nos conduzem a querer saber onde a verdade se esconde, quem sabe seja aí que resida a virtude de um sábio? Descobrindo na admiração do “só sei que nada sei” a possibilidade do encontro sempre novo, talvez isso é que dê sentido à existência e a verdade acabe funcionando apenas como uma ponte_ para outras margens, embora, em sua natureza, o rio flua sempre em uma só direção. Por isso, concluímos, além do jogo dialético, da ironia, da refutação e da maiêutica, Sócrates foi além de tudo um cético que colocou no “não-ser ainda um sábio” o que consideramos como sua “teoria”: ver mais alto e mais longe através do movimento do próprio pensamento e da elevação da alma na busca de virtudes. Sendo assim, desculpemos a Sócrates pelo seu ser cético e pela sua contínua e persistente postura de nada saber, ainda que nessa contradição, de se dizer um sábio e logo a seguir proferir que nada sabe, haja outro indício de um real ceticismo para consigo próprio_ mas, como nem este se sustenta como tal, Sócrates quem sabe, foi muito mais sábio do que julgou não sê-lo (não-saber). E como ficaria, então, a versão de Sócrates, O Bom-Cético, com a Filosofia Clínica? Sabemos, conforme coloca Lúcio Packter, que a Filosofia Clínica se dobra aos ensinamentos socráticos, diz o filósofo: Uma ilustração estaria em Sócrates, um dos pais da Filosofia Clínica, ao administrar a maiêutica como recurso de conhecimento interno (Caderno A). Mas como se estabeleceria diante do que foi dito tal relação? O ceticismo vem para nos dizer, se o filósofo clínico não possuísse sua dose cética não conseguiria, por certo, des-velar a historicidade do partilhante como Packter indica que deva ser feita da forma mais completa possível. Sem as constantes perguntas-respostas não haveria tal possibilidade. Aliás, não haveria a clínica, pois a proximidade da oralidade socrática com a atividade do clínico talvez seja o ponto a anteceder toda a teoria futura quando da elaboração da Estrutura do Pensamento do partilhante. É através da oralidade efetivada via dialética que tanto a historicidade como as categorias e a Estrutura do Pensamento serão percebidas e analisadas pelo filósofo clínico. Daí resultará a “teoria” para com o partilhante: “ver mais alto e mais longe”, estendida à prática clínica, sobretudo, através do diálogo com-partilhado_ diálogo que implica em pergunta-resposta-pergunta-resposta [...]. Assim nos diz também Packter quando expõe o Tópico Comportamento e Função do Filósofo Clínico: Quero passar algumas anotações importantes sobre Comportamento & Função: A. Use o jogo comunicativo (Wittgenstein) que a pessoa usa (...) B. Descubra maieuticamente a relação comportamento & função e cuide de acompanhar o desenvolvimento paralelo, se possível, do Assunto Último. C. Sócrates nos ensinou a melhor medida defensiva e a melhor medida ofensiva: a maiêutica. Portanto, pergunte (...) Este seria o Comportamento maiêutico do Filósofo Clínico com uma Função direcionada para sua própria atividade clínica, não só ao funcionamento da terapia, mas, como também à compreensão da EP do partilhante. Finalizamos com a idéia de que sem uma dose de ceticismo, a absoluta certeza de que a EP de um determinado partilhante é constituída somente por tais e tais tópicos o condenaria à falta de liberdade de seu próprio devir, à ilusória imobilidade de si mesmo. Não é preciso ser alguém que ame as palavras e as abstrações para sentir que a vida possui movimento, logo, fixar rigidamente tópicos determinados como se a EP não possuísse também o movimento da existência, que nos constitui como seres humanos, seria uma contradição das atividades do clínico para com seus partilhantes. O ceticismo, nesse caso, aponta para outro valor: como um método que nos impede de ter aquela confiança inabalável pelos anos de prática e nos permite um contínuo re-começar, um novo dialogar, um sempre novo perguntar e ouvir. Sejamos, portanto, céticos com nós mesmos e também com o outro, pois é possível que não esteja contando sua história com veracidade. Mas este seria outro assunto, fica para depois. Ficamos nós com a companhia e os ensinamentos do Filósofo Lúcio Packter. Lúcio Packter nos fornece um exemplo do Submodo Em Direção ao Termo Singular, através da maiêutica socrática: “O sábio mestre Sócrates passa-nos um ensinamento subliminar em seu pensamento: se a mente está impregnada de idéias complexas, sensações, informações classificadas (como facilmente constatamos quando pesquisamos as cinco categorias) podemos buscar em tal sistema respostas satisfatórias. Após o que já aprendemos, é fácil contextualizar o que escreveu George Berkeley sobre as derivações que seguem as sensações originais, um complemento à maiêutica socrática: “Posso excitar idéias no meu intelecto, e variar e mudar a cena à minha vontade. Basta querer e logo qualquer idéia surge na minha imaginação e por qual capacidade se oblitera e dá lugar a outra. Este fazer e desfazer de idéias é precisamente o intelecto ativo. Isto é certo e assente na experiência... Podemos, pela sucessão de idéias no intelecto, conhecida por experiência, formar,não digo conjecturas incertas, mas predições seguras e bem fundadas sobre as idéias que nos afetarão em conseqüência de uma grande série de ações, e ajuizar do que nos pareceria se postos em circunstâncias muito diversas das atuais...” Tal submodo deriva diretamente do grande mestre Sócrates, um especialista talentoso no procedimento que estudamos.” (Packter, Lúcio. In: Caderno H de Filosofia Clínica)
Obras e Comentários: Cf. CORNFORD, Francis McDonald. Antes e depois de Sócrates. São Paulo: Principio Editora, 1994. p. 7-8-11 REALE, Giovanni. História da Filosofia: antigüidade e idade média. Vol. I. 6.ed. São Paulo: Paulus, 1990. p. 88. Comentário 1 : é claro que nem todos os filósofos pré-socráticos colocaram algo material da natureza como sendo a arkhé, Anaximandro e Parmênides, em especial, falam de coisas que tendem muito mais à um princípio abstrato: ápeiron ou infinito e o Ser, respectivamente, ainda assim se quer chamar a atenção para o fato de que ambos os princípios não estão dentro da alma do homem, são exteriores a ela mesmo não sendo princípios da natureza. Comentário 2: Cf. o capítulo escrito por Platão sobre a defesa de Sócrates: Ciência e missão de Sócrates, onde está a narração do que aconteceu a Sócrates após a ida ao templo de Delphos, a conversa com Pítia e as sucessivas tentativas de Sócrates em interrogar políticos, poetas, autores de tragédias e outros, para testar a sabedoria atribuída a ele próprio pela sacerdotisa que formulava os oráculos no templo de Delphos, ao que Platão escreverá: “o mais sábio dentre vós, homens, é quem, como Sócrates, compreendeu que sua sabedoria é verdadeiramente desprovida do mínimo valor.” PLATÃO. Defesa de Sócrates. Coleção os Pensadores. 1.ed. São Paulo: Abril Cultura, 1972. p.14-16. Comentário 3: Reale coloca que muitos equívocos foram cometidos em relação a esse não-saber socrático, a ponto de se ver nele o início do ceticismo. Cf. História da Filosofia. p. 97. Consideramos esse “equívoco” como possibilidade, porém não no sentido das doutrinas céticas que a tradição filosófica descreve, mas antes no sentido originário do termo “cético”. Comentário 4: Segundo Ferrater Mora o ceticismo como doutrina filosófica possui dois aspectos: um teórico e um prático. No primeiro seria uma doutrina do conhecimento onde não se pode ter certeza de nenhum saber firme, existe uma única decisão: a de abster-se de qualquer decisão; no segundo, seria uma atitude de negação frente a qualquer tipo saber, uma suspensão do juízo [epoché]. Quanto ao ceticismo antigo, Sexto Empírico é tido como seu fundador, mas quando o cético é realmente um cético, ele se converte em “pirrônico”, por Ter sido Pirro aquele que levou o ceticismo às últimas conseqüências. E, ainda que se considere o ceticismo mais como uma “atitude” que como uma “doutrina”, deve-se reconhecer que muitos céticos acumularam argumentos com o fim de mostrar que é justo e razoável “suspender o juízo”. Cf. MORA, Ferrater. Dicionário de Filosofia. Tomo I. São Paulo: Edições Loyola, 2000. p. 437 Comentário 5: Reforçamos a colocação de que o ceticismo iniciado por Pirro é baseado na epoché, ausência total de juízos, portanto, contrariamente ao que está dito sobre a origem do termo a qual pressupõe uma decisão após o “olhar cuidadoso”. p 436-437. Comentário 6: teoria possuía outra significação, diferente do usado atualmente onde o termo vem sempre ligado a hipóteses e especulações. Na verdade, a frase “não se pode estar nem muito perto nem muito longe quando se quer conhecer algo, não se pode estar muito distante porque senão não veríamos nada, não poderíamos ver”, foram palavras do Professor Doutor Jayme Paviani em uma de suas aulas sobre Platão. Curioso observar que, muitos séculos mais tarde, já nas escolas ditas filosóficas da época helenística, Pirro (365 aC.-275 d.C.) o qual deu início ao movimento do ceticismo, como Sócrates, nada escreveu sobre seus ensinamentos.